RESCISÃO INDIRETA DECORRENTE DO RECOLHIMENTO IRREGULAR DO FGTS

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE.

1. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. RESCISÃO INDIRETA. ATRASO NOS RECOLHIMENTOS DE FGTS. TRANSCENDÊNCIA. Considerando a possibilidade de a decisão recorrida contrariar a jurisprudência atual, iterativa e notória desta Corte Superior, verifica-se a transcendência política, nos termos do artigo 896-A, § 1º, II, da CLT.

2. RESCISÃO INDIRETA. ATRASO NOS RECOLHIMENTOS DE FGTS. PROVIMENTO. O descumprimento de obrigações contratuais, por parte do empregador, no tocante ao recolhimento dos depósitos do FGTS, seja pela ausência, seja pelo atraso, obrigação que também decorre de lei, configura falta grave que autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho, com o pagamento das verbas rescisórias correlatas, nos termos do artigo 483, “d”, da CLT. Ademais, vem prevalecendo neste Tribunal Superior o entendimento no sentido de que a ausência de imediatidade no pedido da rescisão indireta do contrato de trabalho não constitui fato impeditivo à sua concessão, já que, por certo, a configuração da falta grave se dá justamente por intermédio da reiteração do comportamento irregular do empregador. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento”


(RR-10008-36.2019.5.03.0107, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 31/07/2020 – destaquei).

De início, chama a atenção o fato de o Tribunal Superior do Trabalho ter reconhecido, aqui, a transcendência política da causa, considerando a possibilidade de desrespeito do acórdão regional não à sua jurisprudência sumulada (como indica o artigo 896-A, § 1º, inciso II, da CLT), mas sim à sua jurisprudência atual, iterativa e notória. Isso demonstra o quão subjetiva é a análise desse pressuposto do recurso de revista; e revela, também, o tamanho do desafio que o TST tem pela frente, para (tentar) alinhar o exercício desse trabalho preliminar.

Pois bem.

Passando à questão de mérito invocada no recurso de revista e apreciada pelo TST, convém salientar que a existência de irregularidades nos depósitos do FGTS como fator que, por si só, enseja a rescisão indireta do contrato de trabalho é uma a temática que ainda gera entendimentos divergentes nos tribunais regionais.

Ocorre que, embora tais irregularidades, indiscutivelmente, caracterizem descumprimento de obrigação não só contratual, como também legal (artigo 15 da Lei nº 8.036/90) – hipótese tipificada na alínea “d” do artigo 483 da CLT –, muitos juízes entendem se tratar de uma falta patronal incapaz de tornar insustentável a continuidade do vínculo de emprego, mesmo porque os depósitos do FGTS não são devidos imediatamente ao empregado – salvo nas hipóteses de movimentação antecipada da conta vinculada (artigo 20 da Lei) –, podendo ser regularizados no curso do contrato laboral, inclusive mediante o ajuizamento de ação própria.

No entanto, não é essa a tese adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, que tem, na sua jurisprudência, um precedente atual relevante da sua Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, a saber:

“RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO FGTS E DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ARTIGO 483 DA CLT.

O artigo 483, d, da CLT faculta ao empregado, no caso de descumprimento das obrigações contratuais por parte do empregador, a rescisão indireta do contrato de trabalho. Nesse sentido, o fato de não recolher os depósitos do FGTS, ou seu recolhimento irregular, e das contribuições previdenciárias, configura ato faltoso do empregador, cuja gravidade é suficiente para acarretar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Por outro lado, esta Corte tem reiteradamente decidido pela relativização do requisito da imediatidade no tocante à rescisão indireta, em observância aos princípios da continuidade da prestação laboral e da proteção ao hipossuficiente. O artigo 483, caput e § 3º, da CLT, faculta ao empregado considerar rescindido o contrato de trabalho antes de pleitear em juízo as verbas decorrentes da rescisão indireta. Todavia, o referido dispositivo não estabelece o procedimento a ser adotado pelo empregado quando o empregador incidir em uma das hipóteses de justa causa. Vale dizer, não há qualquer exigência formal para o exercício da opção de se afastar do emprego antes do ajuizamento da respectiva ação trabalhista. Comprovada em juízo a justa causa do empregador, presume-se a relação entre a falta patronal e a iniciativa do empregado de rescindir o contrato de trabalho. Esse é o entendimento assente na jurisprudência majoritária desta Corte Superior, em julgados da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais, bem como das Turmas, é no sentido de que a ausência de recolhimento de valores devidos a título de FGTS, por parte do empregador, no curso do contrato de trabalho autoriza a rescisão indireta. E esse entendimento ampara-se justamente no artigo 483, d, da CLT, segundo o qual o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato. Recurso de embargos conhecido e não provido “

(E-ED-ED-RR-1902-80.2010.5.02.0058, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 10/03/2017 – destaquei).

Perceba que, além de definir que irregularidades quanto ao recolhimento das parcelas do FGTS ensejam a rescisão indireta do contrato de trabalho, o TST, nesse caso, também se posiciona em favor da mitigação do requisito da imediatidade. Isso implica dizer que, ao contrário do que é exigido do empregador no ato de demissão por justa causa do empregado, o reconhecimento da rescisão indireta prescinde da comprovação da “atualidade da falta patronal”. Em outras palavras, o fato de o empregado não ajuizar a ação logo após a constatação da falta grave pelo empregador, por si só, não caracteriza o chamado “perdão tácito”, predominando os princípios da proteção do hipossuficiente e da continuidade do vínculo empregatício – entende-se que a eventual inércia do empregado decorre, justamente, do “desequilíbrio de forças” existente entre ele e o seu empregador nessa relação.

Quanto a esse tema (rescisão indireta), convém, ainda, pontuar algumas observações com desdobramentos relevantes na prática:

1 – Ao ajuizar a ação trabalhista com o pedido de declaração da rescisão indireta do contrato de trabalho, o empregado-reclamante tem duas opções: (i) permanecer no emprego até a decisão final; ou (ii) dar por rescindido o contrato de trabalho, afastando-se das atividades e comunicando esse fato ao empregador (§ 3º do artigo 483 da CLT).

2 – Optando o empregado pelo afastamento, isso não caracteriza abandono de emprego, ante a ausência do elemento subjetivo dessa falta grave (a efetiva intenção de abandonar). Portanto, é equivocada tese de defesa do empregador-reclamado nesse sentido.

3 – Acolhido o pedido de declaração da rescisão indireta, o contrato de trabalho será considerado rescindido: (i) na data do afastamento do emprego; ou (ii) na data em que proferida a sentença, se o empregado permaneceu trabalhando. Note-se que a sentença produz efeitos imediatamente, pois eventual recurso ordinário possui efeito meramente devolutivo (artigo 899 da CLT), salvo a concessão de efeito suspensivo pelo TRT, a pedido da parte reclamada.

4 – Rejeitado o pedido de declaração da rescisão indireta, é possível que: (i) seja reconhecida a extinção do pacto por iniciativa do empregado, ou seja, “pedido de demissão” (tanto no caso de afastamento antecipado, quanto no de permanência no emprego); (ii) seja mantido em vigor o contrato de trabalho, à luz do princípio da continuidade da relação de emprego (no caso de permanência do empregado no emprego). Isso vai depender mesmo do entendimento pessoal de cada juiz.

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