REGISTRO DA JORNADA DE TRABALHO “POR EXCEÇÃO”

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. SISTEMA DE CONTROLE ALTERNATIVO DE JORNADA. CONTROLE DE JORNADA DE TRABALHO POR EXCEÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO.

A teor do preceito insculpido no artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, é dever desta Justiça Especializada incentivar e garantir o cumprimento das decisões tomadas a partir da autocomposição coletiva, desde que formalizadas nos limites da lei. A negociação coletiva, nessa perspectiva, é um instrumento valioso que nosso ordenamento jurídico coloca à disposição dos sujeitos trabalhistas para regulamentar as respectivas relações de trabalho, atendendo às particularidades e especificidades de cada caso. É inequívoco que, no âmbito da negociação coletiva, os entes coletivos atuam em igualdade de condições, o que torna legítimas as condições de trabalho por eles ajustadas, na medida em que afasta a hipossuficiência ínsita ao trabalhador nos acordos individuais de trabalho. Assim, as normas autônomas oriundas de negociação coletiva, desde que resguardados os direitos indisponíveis, devem prevalecer sobre o padrão heterônomo justrabalhista, já que a transação realizada em autocomposição privada resulta de uma ampla discussão havida em um ambiente paritário, no qual as perdas e ganhos recíprocos têm presunção de comutatividade. Na hipótese, a Corte Regional reconheceu que eram válidos os registros de ponto por exceção a apresentados pela reclamada, em que autorizada a dispensa de controle formal de horário, mediante norma coletiva, tendo o reclamante também confessado o regular recebimento das horas extraordinárias prestadas. Premissas fáticas incontestes à luz da Súmula 126. Conforme acima aduzido, a Constituição Federal reconhece a validade e a eficácia dos instrumentos de negociação coletiva, desde que respeitados os direitos indisponíveis dos trabalhadores. Ocorre que a forma de marcação da jornada de trabalho não se insere no rol de direitos indisponíveis, de modo que não há qualquer óbice na negociação para afastar a incidência do dispositivo que regula a matéria, com o fim de atender aos interesses das partes contratantes. Impende destacar, inclusive, que o artigo 611-A, X, da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, autoriza a prevalência das normas coletivas que disciplinam a modalidade de registro de jornada de trabalho em relação às disposições da lei. É bem verdade que o aludido preceito, por ser de direito material, não pode ser invocado para disciplinar as relações jurídicas já consolidadas. Não se pode olvidar, entretanto, que referido dispositivo não trouxe qualquer inovação no mundo jurídico, apenas declarou o fato de que essa matéria não se insere no rol das garantias inegociáveis. Assim, deve-se manter a validade dos registros de pontos por exceção previstos na norma coletiva. Precedentes. Referida decisão está em sintonia com o entendimento desta Corte Superior, o que torna prejudicado o processamento do recurso de revista encontra óbice no artigo 896, § 7º, da CLT e na Súmula 333. Nesse contexto, a incidência do óbice contido na Súmula 333 é suficiente para afastar a transcendência da causa, uma vez que inviabilizará a aferição da existência de eventual questão controvertida no recurso de revista, e, por conseguinte, não serão produzidos os reflexos gerais, nos termos previstos no § 1º do artigo 896-A da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento”.

(AIRR-11602-96.2015.5.01.0005, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 02/10/2020, destaquei)

Em sede de recurso de revista, as partes discutem o seguinte: é válida a cláusula de instrumento coletivo de trabalho que autoriza a implantação do registro de horário apenas por exceção?

Trata-se o caso de ação trabalhista ajuizada em 2015, logo, correspondente a contrato de trabalho que vigeu antes do advento da Lei nº 13.467/2017, quando o artigo 74 da CLT previa o seguinte:

Art. 74 – O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.
§ 1º – O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.
§ 2º – Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso. 
§ 3º – Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o § 1º deste artigo.
(destaquei)

Como é possível perceber, sempre houve expressa determinação legal no sentido de que a jornada de trabalho realizada por cada empregado fosse devidamente registrada; e, justamente, em virtude dessa previsão, bem como da relação do registro do ponto com temáticas afetas à própria saúde do trabalhador, havia certa resistência em se aceitarem os cartões de ponto por exceção.

Todavia, mais recentemente – e, ainda, antes do início da vigência da Lei nº 13.467/2017 –, o Tribunal Superior do Trabalho passou a admitir esse tipo de controle da jornada, quando autorizado por norma coletiva de trabalho. A própria Seção de Dissídios Coletivos já se posicionou nesse sentido, conforme noticiado no Informativo nº 194 (abril/2019), a saber:

Ação anulatória. Acordo coletivo de trabalho. Sistema de registro de ponto por exceção. Validade.
A SDC, por maioria, deu provimento a recurso ordinário para considerar válida cláusula constante de acordo coletivo de trabalho que estabeleceu sistema de controle de jornada por exceção, no qual o empregado anota no registro de ponto somente situações excepcionais, como faltas, saídas antecipadas, atrasos, licenças e horas extras. Prevaleceu o entendimento de que o art. 74, § 2º, da CLT, ao atribuir ao empregador a obrigação de formar prova pré-constituída a respeito da jornada de trabalho de seus empregados, possui natureza eminentemente processual. Não se trata, portanto, de matéria de ordem pública, que asseguraria ao trabalhador determinado regime de marcação de ponto. Assim, não há óbice a que os sujeitos coletivos negociem a forma pela qual o controle será realizado, desde que garantida aos empregados a verificação dos dados inseridos no sistema.
Vencidos os Ministros Mauricio Godinho Delgado, relator, e Aloysio Corrêa da Veiga. TST-AIRO277-95.2015.5.17.0000, SDC, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, red. p/ acórdão Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, 8.4.2019
(destaquei)

Perceba que esse processo também foi ajuizado em 2015, tratando, pois, de cláusula normativa vigente antes da Lei nº 13.467/2017.

Portanto, estabeleceu-se o entendimento de que a forma como o empregador faz o controle dos horários dos seus empregados não se trata de direito indisponível previsto no rol do artigo 7º da CF, sendo passível de flexibilização por instrumento coletivo de trabalho.

Isso tudo, repito, antes da reforma trabalhista.

Com o advento da Lei nº 13.467/2017, foi incluído, na CLT, o artigo 611-A, tratando da prevalência do acordo coletivo de trabalho e da convenção coletiva de trabalho sobre a lei em diversas temáticas, entre elas, a modalidade de registro de jornada de trabalho (inciso X). Mesmo assim, havia quem defendesse a adoção de uma interpretação restritiva a esse dispositivo, apenas para considerar, como modalidades, os meios manual, mecânico e eletrônico, listados no § 2º do artigo 74 da CLT.

A Lei nº 13.874/2019, que institui a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, aparentemente, encerra a discussão, diante das alterações promovidas no referido artigo 74:

Art. 74.  O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.
§ 1º (Revogado)
§ 2º  Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.
§ 3º  Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo.
§ 4º  Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
(destaquei)

A partir de agora, o cartão de ponto por exceção pode ser estabelecido não apenas por instrumento coletivo de trabalho, mas também por acordo escrito entre empregado e empregador.

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