QUANDO SE CARACTERIZA A FRAUDE À EXECUÇÃO?

“RECURSO DE REVISTA. FASE DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIROS. LEI Nº 13.467/17. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL DE SÓCIO DA EXECUTADA. ADQUIRENTE DE BOA FÉ. CONFIGURAÇÃO. AFASTAMENTO DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL. VIOLAÇÃO DIRETA E LITERAL A DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OCORRÊNCIA.

1. Reconhecida a transcendência jurídica , nos termos do inciso IV do artigo 896-A da CLT.

2. Do quadro fático delineado, depreende-se que a embargante, ora recorrente, desconhecia que tramitava ação trabalhista em face do executado ao tempo da aquisição do imóvel objeto da constrição judicial ocorrida a posteriori, razão pela qual o negócio jurídico pactuado se encontrava revestido de boa fé. Por outro lado, é imprescindível a existência de má fé do terceiro adquirente a legitimar a apreensão/constrição judicial do bem, não se sustentando a premissa consignada no julgado recorrido de que apenas o vendedor, executado em processo trabalhista diverso, teria assim agido. Precedentes.

3. Somam-se a tal argumento as ponderações lançadas em voto convergente do Exmo. Ministro Douglas Alencar Rodrigues, no sentido de que “não havia ao tempo da propositura da ação demanda contra a pessoa natural responsável pela venda do bem imóvel, disso resultando a inadequada declaração de fraude à execução”. Recurso de revista conhecido e provido”.

(RR-525-30.2017.5.02.0252, 5ª Turma, Relator Desembargador Convocado Joao Pedro Silvestrin, DEJT 25/09/2020)

Duas questões importantes devem ser extraídas desse acórdão da 5ª Turma do TST: a primeira, relacionada à questão preliminar, de admissibilidade do recurso de revista; e a segunda, quanto aos elementos que têm sido considerados na análise da caracterização, ou não, da fraude à execução.

Pois bem.

De acordo com o § 2º do artigo 896 da CLT, o recurso de revista é cabível, na fase de execução, apenas na hipótese de ofensa direta e literal de dispositivo constitucional:

“§ 2o Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal.” (destaquei)

Diante da restrição imposta pela norma, é relevante sempre acompanhar as discussões que têm levado à admissão do processamento do recurso de revista pelo Tribunal Superior do Trabalho.

No caso concreto, a controvérsia envolve a penhora de bem antes pertencente a um sócio da empresa executada, adquirido por um terceiro durante o trâmite da ação trabalhista, e a suposta fraude à execução decorrente dessa transação, sendo que o recurso de revista interposto pelo terceiro adquirente desse bem (parte autora dos embargos de terceiro) foi conhecido por violação ao artigo 5º, inciso XXII, da CF (“é garantido o direito de propriedade).

No mérito, esse recurso de revista foi provido, determinando a 5ª Turma do TST a desconstituição da penhora realizada sobre o referido bem, em contrariedade ao que havia decidido o TRT da 2ª Região.

No acórdão regional, foram delineados os seguintes fatos: (i) em 10/02/2012, a ação trabalhista foi ajuizada; (ii) em 19/11/2013, antes do início da execução definitiva, o imóvel pertencente a um dos sócios da empresa reclamada (aquele que viria a ser penhorado) foi vendido a um terceiro; e (iii) em 24/03/2014, houve a inclusão dos sócios no polo passivo da execução, com a citação do sócio “vendedor”.

Segundo decidiu o TRT, diante do que dispõe o artigo 792, inciso IV, do CPC, “a má-fé é sempre presumida” e “a boa-fé da adquirente não é capaz de legitimar a alienação, pois (…) a má-fé dos alienantes emana da própria lei”. Houve, pois, o reconhecimento da fraude à execução.

Essa tese foi totalmente rechaçada pelo TST, o qual, pelas ementas transcritas no voto do Relator, possui entendimento pacífico no sentido de que a fraude à execução não é caracterizada por critério puramente objetivo, mas sim pelos seguintes elementos (artigo 792 do CPC e Súmula nº 375 do STJ):

  1. ciência, pelo terceiro adquirente, da pendência de processo sobre o bem alienado e capaz de reduzir o devedor (alienante) à insolvência;
  2. a existência de registro da penhora do bem objeto da alienação;
  3. prova inequívoca da má-fé do terceiro adquirente.

Esse entendimento do TST se coaduna com o regramento do artigo 792 do CPC, “in verbis”:

Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V – nos demais casos expressos em lei.
§ 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
§ 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
§ 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
§ 4º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
(destaquei)

Entende o TST, portanto, não ser possível concluir pela má-fé do terceiro adquirente enquanto não existirem meios que lhe permitam prever os riscos existentes na transação efetuada com a pessoa executada.

Inclusive, há entendimento no sentido de que o sócio se torna mesmo executado apenas quando é, efetivamente, incluído no polo passivo da execução judicial e ali citado para defender os seus interesses. Até lá, os seus bens pessoais não podem responder pela execução; e nem faria sentido exigir do terceiro a aquisição de certidões, pois nada encontraria em relação ao alienante.

Deixe um comentário

[vc_row content_placement="middle" scheme="dark" row_type="normal" row_delimiter="" row_fixed="" hide_on_tablet="" hide_on_mobile="" hide_on_frontpage="" css=".vc_custom_1496914894286{background-color: #23282c !important;}"][vc_column icons_position="left"][trx_sc_content size="1_1" number_position="br" title_style="default" padding="none"][vc_empty_space alter_height="medium" hide_on_mobile="" css=".vc_custom_1497434392904{margin-top: -0.25rem !important;}"][vc_row_inner equal_height="yes" content_placement="middle"][vc_column_inner width="1/2" icons_position="left"][trx_widget_contacts columns="" googlemap="" socials="" logo="1165"][/trx_widget_contacts][/vc_column_inner][vc_column_inner width="1/2" column_align="right" icons_position="left"][trx_widget_socials align="right"][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/trx_sc_content][/vc_column][/vc_row][vc_row full_width="stretch_row" row_type="compact" row_delimiter="" row_fixed="" hide_on_mobile="" hide_on_frontpage="" css=".vc_custom_1493286847320{background-color: #171a1d !important;}"][vc_column column_align="center" icons_position="left"][trx_sc_content size="1_1" float="center" number_position="br" title_style="default" padding="none"][vc_wp_text]

Felipe Kakimoto 2024. Todos os Direitos reservados. Desenvolvido por Clipper & Oceano Digital.

[/vc_wp_text][/trx_sc_content][/vc_column][/vc_row]