QUANDO OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS SÃO EXIGÍVEIS DO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA?

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RÉ. LEI Nº 13.467/2017 . BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA . EFEITOS DECORRENTES DA CONCESSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA .

Cinge-se a controvérsia a definir os efeitos da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, em ação ajuizada após a vigência da Lei n° 13.467/2017, para fins de condenação da autora ao pagamento dos honorários de sucumbência. O artigo 98, caput e § 1º, do CPC inclui os honorários advocatícios sucumbenciais entre as despesas abarcadas pelo beneficiário da gratuidade da justiça. Ainda que o § 2º do mencionado preceito disponha que a concessão da gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, o § 3º determina que tal obrigação fique sob condição suspensiva, pelo prazo de 5 anos, e somente poderá ser exigida se o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos justificadora da concessão da gratuidade de justiça, extinguindo-se, após o decurso do prazo mencionado. Essa regra foi incorporada na sua quase totalidade à CLT por meio da introdução do artigo 791-A, especificamente no seu § 4º, muito embora o prazo da condição suspensiva seja fixado em dois anos e contenha esdrúxula previsão de possibilidade de cobrança, se o devedor obtiver créditos em outro processo aptos a suportar as despesas. Diz-se esdrúxula pelo conteúdo genérico da autorização e por não especificar a natureza do crédito obtido, que, em regra, no processo do trabalho, resulta do descumprimento de obrigações comezinhas do contrato de trabalho, primordialmente de natureza alimentar, circunstância que o torna impenhorável, na forma prevista no artigo 833, IV, do CPC, com a ressalva contida no seu § 2º. Nesse contexto, o beneficiário da justiça gratuita somente suportará as despesas decorrentes dos honorários advocatícios caso o credor demonstre a existência de créditos cujo montante promova indiscutível e substancial alteração de sua condição socioeconômica e, para tanto, não se pode considerar de modo genérico o percebimento de quaisquer créditos em outros processos, pois, neste caso, em última análise se autorizaria a constrição de verba de natureza alimentar. Precedentes. Decisão regional que merece ser mantida. Agravo de instrumento conhecido e não provido”.

(AIRR-568-32.2018.5.13.0023, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 23/10/2020, destaquei)

É pertinente, aqui, fazer uma primeira observação sobre esse tema: o Código de Processo Civil não fala em isenção da obrigação de pagar os honorários advocatícios sucumbenciais pela parte que é beneficiária da justiça gratuita. A bem da verdade, a previsão do artigo 98, inciso VI, e seus §§ 2º e 3º,  é no sentido de que a gratuidade de justiça compreende os honorários do advogado, ficando suspensa a sua exigibilidade, enquanto mantido o contexto econômico que justificou a concessão do aludido benefício:

§ 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.

§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

(destaquei)

Essa mesma ideia foi trazida à CLT pela Lei nº 13.467/2017: os honorários do advogado pela mera sucumbência passaram a ser devidos na seara trabalhista, inclusive pelo próprio beneficiário da gratuidade de justiça, sendo que a redação do § 4º do artigo 791-A traz duas peculiaridades: (i) a condição suspensiva se mantém por apenas dois anos; e (ii) desde que a parte não tenha auferido, no próprio processo ou em outro, algum crédito capaz de suportar o pagamento da verba honorária:

§ 4o  Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

(destaquei)

É justamente em torno desse crédito recebido pelo beneficiário da justiça gratuita que gira a discussão do caso concreto: que crédito seria esse e qual é o critério para definir ser capaz de suportar o pagamento dos honorários do advogado?

No acórdão proferido pelo TRT da 13ª Região, ficou decidido que a reclamante, beneficiária da gratuidade, também é responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, mas foi reconhecida a condição suspensiva de exigibilidade, até que o credor (desses honorários) demonstrasse o desaparecimento da situação de insuficiência de recursos que motivou a concessão do benefício.

Em sede de recurso de revista, o TST, além de manter o acórdão regional, firmou o seguinte entendimento: “(…) o beneficiário da justiça gratuita somente suportará as despesas decorrentes dos honorários advocatícios caso o credor demonstre a existência de créditos cujo montante promova indiscutível e substancial alteração de sua condição socioeconômica e, para tanto, não se pode considerar de modo genérico o percebimento de quaisquer créditos em outros processos, pois, neste caso, em última análise se autorizaria a constrição de verba de natureza alimentar”.

Essa interpretação dada ao § 4º do artigo 791-A da CLT parece ser, realmente, a mais compatível com os princípios constitucionais da assistência jurídica integral e gratuita, da inafastabilidade da jurisdição e do amplo acesso à justiça (artigo 5º, incisos XXXV e LXXIV). No entanto, ao levantar a hipótese de que considerar, apenas genericamente, o recebimento de créditos em outros processos implicaria autorizar a constrição de verba alimentar, o TST acaba contrariando, ainda que em parte, a sua própria jurisprudência atual acerca da matéria.

Isso porque, como já tratado, aqui, em outra publicação (https://bit.ly/2TAfrkB), diante do artigo 833, § 2º c/c o artigo 529, § 3º, do CPC/2015, a Corte Superior Trabalhista alterou a sua jurisprudência, para passar a admitir a penhora dos ganhos do devedor trabalhista – parcelas de natureza alimentar, assim como também são aquelas, muitas vezes, recebidas pelo empregado nas ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho.

Ao final do acórdão, chega-se a mencionar que a constrição de parte desse crédito a ser recebido pelo empregado-reclamante não poderia se destinar ao pagamento de despesas processuais, mas não explica, exatamente, o porquê disso.

Parece que a matéria merece ser apreciada mediante uma melhor interpretação entre o § 4º do artigo 791-A da CLT e os dispositivos do CPC que tratam da penhora de créditos de natureza alimentar (interpretação sistemática), ainda mais considerando que, nas ações trabalhistas, é possível o recebimento de créditos de outra natureza, a exemplo da própria indenização por danos morais.

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