ÔNUS PROBATÓRIO QUANTO À FISCALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA TERCEIRIZAÇÃO

“(…) Diante de todo o exposto, com base no parágrafo único do art. 995 do Código de Processo Civil, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA, para suspender os efeitos das decisões proferidas na Reclamação Trabalhista nº RR-1000829-46.2016.5.02.0252”.

(Pet 9038 MC/SP – Ministro Relator: Alexandre de Moraes – DJE 03/08/2020)

Trata-se o caso de uma decisão monocrática de Ministro do Supremo Tribunal Federal e que repercute apenas em uma ação trabalhista específica, mas vale para retomarmos o tema da responsabilidade subsidiária da Administração Pública na terceirização trabalhista.

No caso concreto, as partes discutem se seria do reclamante o ônus de provar a ausência de fiscalização (ou a fiscalização ineficiente) do contrato de prestação de serviços pela Administração Pública; ou se caberia ao próprio tomador de serviços o ônus de demonstrar o cumprimento desse dever de fiscalização.

Em sede de recurso de revista, a 6ª Turma do TST decidiu favoravelmente ao reclamante ao se posicionar no sentido de que “(…) é do ente público o ônus de provar o cumprimento das normas da Lei nº 8.666/1993, ante a sua melhor aptidão para se desincumbir do encargo processual, pois é seu dever legal de guardar as provas pertinentes, as quais podem ser exigidas tanto na esfera judicial quanto pelos órgãos de fiscalização (a exemplo de tribunais de contas)”.

Em face dessa decisão, a empresa pública demandada (Petrobrás) interpôs recurso extraordinário em 19/06/2020; e, em 37/07/2020, protocolizou requerimento de tutela provisória de urgência diretamente no STF, postulando a concessão de efeito suspensivo ao aludido recurso. É justamente a esse pedido que se refere a decisão do Ministro Alexandre de Moraes.

Pois bem.

Há bastante tempo, vem se discutindo a responsabilidade da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa prestadora de serviços. Nesse interregno, já houve a declaração da constitucionalidade do § 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/1991 (ADC nº 16); em razão dela, foi inserido o item V à Súmula nº 331 do TST; e também já foi fixada tese jurídica no sentido de ser possível a responsabilização da Administração Pública por outros fatores que não a mera inadimplência da empresa contratada (RE nº 760.931 – Tema 246).

É oportuna, aqui, a transcrição do entendimento sumular e da tese jurídica, respectivamente:

Súmula 331, item V – “Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. (destaquei)

Tema 246 – “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”. (destaquei)

Definida essa questão e deixando em aberto a possibilidade de transferência da responsabilidade fundada na conduta dolosa ou culposa da Administração Pública, passou-se a discutir, como no caso concreto acima referido, a quem recairia o ônus probatório: (i) ao reclamante, quanto ao dolo ou a culpa do tomador dos serviços; ou (ii) ao próprio Ente Público, quanto ao cumprimento do dever de fiscalização do contrato firmado com a empresa prestadora de serviços.

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, órgão responsável pela uniformização da jurisprudência trabalhista, já se manifestou sobre o assunto. Em julgamento realizado nos autos do processo E-RR-925-07.2016.5.05.0281, em dezembro/2019, ficou decidido, por unanimidade, o seguinte:

“RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LICITAÇÃO. DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 760.931. TEMA 246 DA REPERCUSSÃO GERAL. SÚMULA Nº 331, V, DO TST. RATIO DECIDENDI. ÔNUS DA PROVA.

No julgamento do RE nº 760.931, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese, com repercussão geral: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”. O exame da ratio decidendi da mencionada decisão revela, ainda, que a ausência sistemática de fiscalização, quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora, autoriza a responsabilização do Poder Público. Após o julgamento dos embargos de declaração e tendo sido expressamente rejeitada a proposta de que fossem parcialmente acolhidos para se esclarecer que o ônus da prova desse fato pertencia ao empregado, pode-se concluir que cabe a esta Corte Superior a definição da matéria, diante de sua natureza eminentemente infraconstitucional. Nessa linha, a remansosa e antiga jurisprudência daquele Tribunal: AI 405738 AgR, Rel . Min. Ilmar Galvão, 1ª T., julg. em 12/11/2002; ARE 701091 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª T., julg. em 11/09/2012; RE 783235 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª T., julg. em 24/06/2014; ARE 830441 AgR, Rel(a) Min. Rosa Weber, 1ª T., julg. em 02/12/2014; ARE 1224559 ED-AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julg. em 11/11/2019. Portanto, em sede de embargos de declaração , o Supremo Tribunal Federal deixou claro que a matéria pertinente ao ônus da prova não foi por ele definida, ao fixar o alcance do Tema 246. Permitiu, por conseguinte que a responsabilidade subsidiária seja reconhecida, mas sempre de natureza subjetiva, ou seja, faz-se necessário verificar a existência de culpa in vigilando. Por esse fundamento e com base no dever ordinário de fiscalização da execução do contrato e de obrigações outras impostas à Administração Pública por diversos dispositivos da Lei nº 8.666/1993, a exemplo, especialmente, dos artigos 58, III; 67, caput e seu § 1º; e dos artigos 54, § 1º; 55, XIII; 58, III; 66; 67, § 1º; 77 e 78, é do Poder Público, tomador dos serviços, o ônus de demonstrar que fiscalizou de forma adequada o contrato de prestação de serviços. No caso, o Tribunal Regional consignou que os documentos juntados aos autos pelo ente público são insuficientes à prova de que houve diligência no cumprimento do dever de fiscalização, relativamente ao adimplemento das obrigações trabalhistas da empresa terceirizada. Ou seja, não se desincumbiu do ônus que lhe cabia. A Egrégia Turma, por sua vez, atribuiu ao trabalhador o ônus da prova, razão pela qual merece reforma a decisão embargada, a fim de restabelecer o acórdão regional. Recurso de embargos conhecido e provido”

(E-RR-925-07.2016.5.05.0281, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 22/05/2020).

Perceba que, segundo a SBDI-1 do TST, o encargo processual atribuído à Administração Pública decorre do seu “dever ordinário de fiscalização da execução do contrato e de obrigações outras impostas (…) por diversos dispositivos da Lei nº 8.666/1993” (destaquei).

Quanto a isso, convém destacar o seguinte trecho do voto do Ministro Relator, no que diz respeito à regra de distribuição do ônus probatório:

“No campo processual, constitui fato impeditivo alegado como obstáculo à pretensão contida na petição inicial, o que atrai a incidência da regra prevista nos artigos 373, II, do CPC e 818, II, da CLT.

É, portanto, dever ordinário imposto à Administração Pública, a partir da própria Lei por ela invocada. Contudo, ainda que se tratasse de fato constitutivo, como se poderia depreender do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, a distribuição dinâmica do ônus da prova a vincula a quem possui mais e melhores condições de fazê-lo, tal como expressamente previsto no artigo 818, § 1º, da CLT (“excessiva dificuldade de cumprir o encargo”), o que certamente não é o trabalhador, que sequer consegue ter acesso à documentação relativa à regularização das obrigações regulares decorrentes do contrato.

Em apoio a essa afirmação, não se pode transferir para o empregado essa obrigação, nem mesmo sob o fundamento de que poderia ter acesso à documentação por meio de requerimento dirigido ao ente público contratante, com fundamento na Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12.527/2011.

Nesse caso, é ignorar a realidade admitir que, a cada mês, o empregado da empresa contratada tivesse que formular o mencionado pedido à entidade contratante para que lhe fornecesse cópia dos citados documentos, ao qual se acresceria o dever de guarda que lhe seria transferido, obrigação ordinária inerente à gestão do contrato celebrado com a Administração Pública, que, aliás, não constitui ônus excessivo, mesmo porque dele faz parte a obrigação de designação de servidor para atuar como fiscal de sua execução, com inúmeras prerrogativas e diversos deveres.

Feita essa contextualização, peço licença para, a partir da nova manifestação do Supremo Tribunal Federal, retomar a compreensão que sempre tive a respeito do tema, no sentido de ser do tomador de serviços o ônus de demonstrar que fiscalizou de forma adequada o contrato de prestação de serviços, com base no dever ordinário que lhe é atribuído.

Repito que a mesma Lei que estabelece a ausência de responsabilização automática da Administração Pública pela falta de cumprimento da obrigação, contém, no artigo 58, III, a prerrogativa e o dever que lhe são atribuídos de fiscalização do contrato, como também prevê, no artigo 66, o dever de fiscalização, a cargo de pessoa especialmente designada, além de indicar como causa de extinção do contrato o desatendimento das determinações da autoridade designada para fiscalizar o contrato, desta feita no artigo 78, VII, e também autorizar a retenção de parcelas resultantes de convênio, se não observadas recomendações da fiscalização.”


(destaquei)

Ora, se o cumprimento do dever de fiscalização atribuído ao Ente Público se constitui em fato impeditivo do direito invocado pela parte reclamante (direito de ver reconhecida a responsabilidade subsidiária do tomador de serviço) – como consta da decisão da SBDI-1 do TST –, o encargo probatório atribuído a ele decorre, diretamente, do artigo 818, inciso II, da CLT, não havendo que se falar em inversão de ônus probatório por decisão fundamentada do juiz (§§ 1º, 2º e 3º, daquele mesmo artigo 818).

Procedimento diverso haveria de ser observado no caso de se entender pela “distribuição dinâmica do ônus da prova” – ou seja, considerar a conduta dolosa ou culposa da Administração Pública como sendo fato constitutivo do direito do reclamante (artigo 818, inciso I, da CLT), mas, ainda assim, atribuir ao tomador de serviço a prova quanto à adequada fiscalização do contrato, considerando a teoria da aptidão para a prova.

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