O INDEFERIMENTO DO DEPOIMENTO DA PARTE CARACTERIZA CERCEAMENTO DE DEFESA?

“RECURSO DE REVISTA. CERCEAMENTO DE DEFESA. DISPENSA DE OITIVA DO DEPOIMENTO PESSOAL DO RECLAMANTE. NULIDADE CONFIGURADA.

Discute-se, no caso, se a dispensa de oitiva do depoimento pessoal da parte contrária configura cerceamento do direito de defesa. Importante salientar que a reclamada tinha o direito constitucional e legalmente assegurado de tentar obter a confissão do reclamante no seu depoimento pessoal. Conforme é consabido, o artigo 769 da CLT prevê que as normas e os institutos do direito processual comum serão subsidiariamente aplicáveis ao processo do trabalho nos casos omissos e se com este último forem compatíveis. Assim, embora o artigo 848 da CLT preveja o interrogatório das partes apenas por iniciativa do juiz do trabalho, isso, por si só, não impede a incidência subsidiária do CPC, que prevê o depoimento pessoal das partes como um dos meios de prova postos à disposição dessas para a defesa de seus interesses em litígio e a formação do convencimento do julgador – e que, por isso mesmo, pode ser por elas requerido quando o juiz não o determinar de ofício (artigo 343, caput , do CPC/2015). Em consequência, qualquer dos litigantes trabalhistas tem o direito de tentar obter a confissão da parte contrária a respeito dos fatos objeto da controvérsia por meio de seu depoimento pessoal, até para que não seja necessária a produção de prova testemunhal a esse respeito (CPC/2015, artigos 334, inciso II, e 400, inciso I). O referido depoimento, pois, não pode ser indeferido sem fundamentação pelo julgador, sob pena de cerceamento de prova e, consequentemente, nulidade da sentença depois proferida. Se, nos feitos trabalhistas, as partes rotineiramente são intimadas a comparecer ao prosseguimento da audiência para depor sob a expressa cominação de confissão ficta, o entendimento de que não seria direito da parte requerer o depoimento pessoal da parte contrária acarretaria também que a aplicação, ou não, daquela sanção processual à parte injustificadamente ausente ficasse a cada caso a critério exclusivo do julgador, em manifesta contrariedade ao entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula nº 74 do TST. Desse modo, o Regional, ao considerar desnecessária a oitiva do depoimento pessoal da parte reclamante, sem justificativa, inquinou de nulidade a sentença, por cerceamento do direito da reclamada de produzir prova, verificando-se o prejuízo por ela suportado na circunstância de ter sido impedido de produzir prova oral por meio da qual pretendia demonstrar a veracidade de suas alegações. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.”

(RR-85300-18.2006.5.06.0004, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 18/09/2020, destaquei)

Esse julgado da 2ª Turma do TST trata de um assunto rotineiro nas ações trabalhistas: o depoimento das partes é um faculdade atribuída ao juiz, ou a oitiva do adverso é um direito dado a cada uma delas?

No caso concreto, os depoimentos das partes em audiência foram dispensados pela Juíza de primeiro grau, sem qualquer fundamentação, tendo uma das reclamadas consignado os seus protestos, pois pretendia ouvir o reclamante, na tentativa de obter a sua confissão real.

A nulidade por cerceamento de defesa não chegou a ser enfrentada na sentença, mas sim pelo TRT da 6ª Região, em sede de recurso ordinário, que decidiu afastar a pretensão da parte reclamada, com base no artigo 130 do CPC/1973 (vigente à época) e nos artigos 765 e 848 da CLT. Em termos gerais, esses dispositivos dão ampla liberdade ao juiz para conduzir o processo, determinando a realização das provas e das diligências realmente necessárias para a solução do conflito, inclusive no que diz respeito ao depoimento das partes.

Por oportuno, transcrevo o artigo 848 da CLT, objeto de análise nesse acórdão do TST:

Art. 848 – Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes.

(destaquei)

Essa redação é de 1995, quando ainda existente a representação classista. Logo, a parte que trata do “requerimento de qualquer juiz temporário” não se aplica mais.

Além disso, o dispositivo não faz alusão ao “depoimento das partes” propriamente dito, mas sim ao sistema de “interrogatório”, o qual, de fato, é faculdade do juiz (vide publicação sobre o assunto – https://bit.ly/3mqrdKO).

De outro lado, o artigo 343 do CPC/1973, tratando do depoimento das partes como meio de prova, previa a possibilidade de cada uma delas requerer a oitiva da outra caso o juiz não a determinasse de ofício, sendo certo que, com a obtenção da confissão real da parte depoente, não seria mais necessária a produção de prova testemunhal:

Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.

Art. 334. Não dependem de prova os fatos:
(…)
II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:
I – já provados por documento ou confissão da parte;

(destaquei)

Justamente com base nesses dispositivos do CPC de 1973, de aplicação subsidiária no processo trabalhista (artigo 769 da CLT), é que o Tribunal Superior do Trabalho, reformando o acórdão do TRT da 6ª Região, decidiu reconhecer o cerceamento do direito de defesa da parte reclamada e, assim, declarar a nulidade da sentença, determinando a realização de nova audiência para a oitiva da parte reclamante e a realização de novo julgamento.

Convém salientar que a ideia, o conteúdo, dos dispositivos do CPC/1973 acima transcritos foram trazidos para o CPC/2015, estando representados, respectivamente, pelos artigos 385, 374, inciso II, e 443, inciso I. Portanto, o entendimento manifestado pelo TST no julgado acima referido se aplica, perfeitamente, nas demandas cujas audiências foram realizadas após o advento do novo CPC.

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