“EMBARGOS SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 . HORAS EXTRAS. CONFISSÃO RECÍPROCA . AUSÊNCIA DE JUNTADA DOS CARTÕES DE PONTO PELA RECLAMADA. NÃO COMPARECIMENTO DO RECLAMANTE À AUDIÊNCIA EM QUE DEVERIA DEPOR. ART. 894, §2º, DO TST.

Na hipótese, a Eg. 8ª Turma deu provimento ao recurso de revista interposto pela Reclamada para excluir da condenação o pagamento de horas extras, nos termos da Súmula 74, I, do TST. Ressaltou que embora a Reclamada tenha carreado nos autos cartões de ponto inválidos, óbice previsto na Súmula 338, III, desta Corte, o não comparecimento do Reclamante à audiência implica confissão quanto à matéria e acarreta a presunção de veracidade das alegações da ora Embargada. Com efeito, o item I da Súmula 338, dispõe que é ônus do Empregador enquadrado no art. 74, § 2º, da CLT colacionar aos autos os controles de jornada dos empregados, sob pena de presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial. Nesse cenário, o entendimento dominante nesta Corte no caso de confissão recíproca, como a situação vertente, é no sentido de que a pena de confissão ficta aplicada ao Reclamante não afasta a presunção de veracidade da jornada de trabalho, visto que a apresentação de controles válidos de frequência pela Reclamada antecede o momento de comparecimento à audiência e tal ônus decorre de imposição legal (art. 74, §2º, da CLT). Precedentes. Recurso de Embargos conhecido e provido”.

(E-RR-3793-17.2010.5.02.0421, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 23/10/2020, destaquei).

De acordo com o atual § 2º do artigo 74 da CLT, o empregador que possua estabelecimento com mais de 20 empregados (a redação anterior falava em estabelecimentos com mais de 10 empregados apenas) está obrigado ao registro dos horários de trabalho de cada um deles, permitida a pré-assinalação do período de repouso.

Diante dessa previsão legal, atribui-se ao empregador/reclamado o dever de trazer, aos autos do processo, os cartões de ponto do empregado/reclamante.

Perceba que, havendo controvérsia quanto à jornada de trabalho efetivamente cumprida pelo reclamante, cabe a este o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito (artigo 818, inciso I, do CPC). Ao reclamado, por sua vez, cabe a juntada dos controles de horário, sob pena, inclusive, de se presumir verídica a jornada alegada na petição inicial.

Nesse sentido, o tão conhecido entendimento sedimentado no item I da Súmula nº 338 do TST, a saber:

I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) – destaquei

Perceba que esse entendimento tem estreita relação com o procedimento de “exibição de documento” previsto no Código de Processo Civil, mais precisamente com que o dispunha os artigos 355, 358 e 359 do CPC de 1973, “in verbis”:

Art. 355. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache em seu poder.

Art. 358. O juiz não admitirá a recusa:
I – se o requerido tiver obrigação legal de exibir;
II – se o requerido aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova;
III – se o documento, por seu conteúdo, for comum às partes.

Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:
I – se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357;
II – se a recusa for havida por ilegítima.

(destaquei)

Trazendo para nossa realidade, seria o seguinte:

  1. pelo fato de os cartões de ponto ficarem em poder do empregador, exige-se dele a juntada de tais documentos nos autos (relação com o artigo 355);
  2. pelo fato de o registro dos horários de trabalho decorrer de obrigação legal (§ 2º do artigo 74 da CLT), não se admite a recusa injustificada de apresentação desses documentos pelo empregador (relação com o artigo 358, inciso I); e
  3. a recusa injustificada de exibição dos cartões de ponto fará com que o juiz admita como verdadeira a jornada de trabalho indicada na petição inicial (relação com o artigo 359, inciso II).

No CPC de 2015, tais previsões se mantiveram nos artigos 396, 399, inciso I, e 400, inciso II.

Tanto é verdade o fato de caber ao reclamante o ônus probatório quanto à jornada de trabalho alegada, que o próprio item III da Súmula nº 338 do TST fala em inversão desse ônus (do empregado para o empregador) quando os cartões de ponto juntados pelo reclamado são inválidos como meio de prova.

Por ilação lógica, deve-se entender que essa mesma inversão do ônus probatório também ocorre quando o reclamado não cumpre o dever de juntar os controles de horário nos autos do processo. Não é à toa, aliás, que o item I da Súmula nº 338 do TST prevê a possibilidade de a presunção de veracidade ali referida ser afastada por prova em contrário – prova essa a ser produzida pelo reclamado.

Resumindo:

  1. sendo controvertidos os horários de trabalho cumpridos pelo empregado, cabe a este o ônus probatório quanto às suas alegações, diante da presença, nos autos, dos cartões de ponto válidos;
  2. se o empregador não cumpre o dever de juntar os cartões de ponto ou junta controles inválidos (por exemplo, pelo fato de apresentar marcações uniformes de horário), inverte-se o ônus probatório, que passa a ser do reclamado, quanto às suas alegações de defesa.

Agora, imagine a seguinte situação: o reclamado apresenta cartões de ponto inválidos como meio de prova, assumindo o ônus probatório quanto aos seus argumentos de contestação (hipótese do item “b” acima), mas o reclamante, embora intimado a prestar depoimento em audiência, ausenta-se injustificadamente, vindo a ser considerado confesso quanto à matéria de fato (§ 1º do artigo 385 do CPC e item I da Súmula nº 74 do TST). Nesse caso:

  1. a presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial fica afastada e, assim, presumem-se verídicos os argumentos de defesa? ou
  2. fica mantida a presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial, mantendo-se com o reclamado o ônus probatório?

Ora, (i) se, diante da apresentação dos cartões de ponto inválidos, recai para o reclamado o ônus probatório relativo à jornada de trabalho; (ii) se o depoimento pessoal da parte é um meio de prova legítimo; e (iii) se a confissão “ficta” é consequência imediata da ausência injustificada da parte na audiência, conclui-se que a resposta mais adequada seria a do item “a” acima, ficando afastada a presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial.

Em suma, nesse caso, a invalidade dos cartões de ponto não se sobreporia à penalidade aplicada ao reclamante em razão da sua ausência injustificada na audiência.

Do contrário, valeria muito mais a pena para o reclamante, diante da apresentação de cartões de ponto inválidos (ou até mesmo diante da ausência de tais documentos nos autos), simplesmente deixar de comparecer à audiência – incorrendo na pena de confissão “ficta” mesmo –, do que estar presente na sessão e correr o risco de declarar algum fato que prejudique a sua pretensão.

Certamente, isso não se afigura razoável.

Entretanto, não foi esse o entendimento adotado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST.

Reiterando julgados anteriores, ela decidiu que a confissão “ficta” da parte reclamante, por si só, não é capaz de afastar a presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial, pelo fato de o dever – atribuído ao reclamado – quanto à juntada dos cartões de ponto válidos decorrer de previsão legal e anteceder o momento de comparecimento da parte à audiência.

Para o TST, a questão deve ser analisada à luz do princípio da aptidão para a prova.

Por se tratar de entendimento firmado no âmbito da SBDI-1 da Corte Superior Trabalhista, é muito importante que a advogada ou o advogado leve-o em consideração no momento de decidir a estratégia probatória na fase instrutória do processo, inclusive durante a própria realização da audiência.

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