A MULTA PREVISTA EM ACORDO JUDICIAL NÃO PODE MAIS SER DISCUTIDA

“RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. ATRASO NO PAGAMENTO DE PARCELAS DE ACORDO JUDICIAL. MULTA. OFENSA À COISA JULGADA CONFIGURADA.

A imutabilidade da coisa julgada material é protegida pelo inciso XXXVI do art. 5° da CF. Logo, uma vez proferida a decisão de mérito, transitada em julgado, perfeita se torna a coisa julgada material, gozando o comando sentencial de plena eficácia, e sendo inalterável pela via recursal, pois já se encontra esgotada. O Regional, ao concluir indevida a multa prevista em acordo judicial, violou a coisa julgada, haja vista que o título executivo judicial expressamente consignou a incidência da multa em caso de descumprimento do acordo, cabendo-se registrar que não se pode interpretar título judicial, mas apenas cumprir o respectivo comando. Recurso de revista conhecido e provido”.

(RR-1576-07.2015.5.17.0001, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 16/06/2020, destaquei).

Trata-se o caso de ação trabalhista em que foi firmado acordo entre as partes, a ser pago em 24 (vinte e quatro) parcelas, com previsão de multa de 50% (cinquenta por cento) em caso de descumprimento.

Consta dos autos do processo que várias dessas parcelas foram pagas com alguns dias de atraso, surgindo, daí, a discussão quanto ao cabimento da multa supracitada.

Da ata da audiência, constou o seguinte: “Em caso de inadimplemento, pena de multa de 50%, em favor do reclamante, incidente sobre o saldo remanescente, assim como vencimento antecipado das parcelas vincendas.” (destaquei).

O juízo de primeira instância e o TRT da 17ª Região entenderam ser incabível a aplicação da multa, sob o fundamento de que ela seria devida apenas no caso de “inadimplemento” da obrigação, o que, não obstante os atrasos havidos, não chegou a ficar caracterizada efetivamente. De acordo com tais decisões, o caso deve ser analisado à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando que o acordo foi, integral e voluntariamente, cumprido, de modo que apenas devem incidir juros moratórios e atualização monetária sobre as parcelas pagas em atraso.

O TST, ao contrário disso, decidiu em favor da aplicação da multa, por violação à coisa julgada (inciso XXXVI do artigo 5º da CF), invocando, ainda, a aplicação do § 1º do artigo 879 da CLT, que trata da impossibilidade de se modificar ou inovar a sentença liquidanda, bem como de se discutir a matéria pertinente à causa principal.

De fato, deve-se ter em mente que a decisão que homologa a transação se constitui em sentença propriamente dita (artigo 487, inciso III, alínea “b”, do CPC), transitando em julgado imediatamente (parágrafo único do artigo 831 da CLT), inclusive – ou seja, referida decisão sequer é passível de recurso pelas partes do processo, exceção feita apenas à União Federal (INSS), no que diz respeito às contribuições previdenciárias eventualmente devidas.

No entanto, ao meu ver, a análise do caso vai além disso, abarcando a discussão acerca do alcance da cláusula penal, na forma como está escrita no termo de conciliação (“em caso de inadimplemento”). Ora, se se entender que “inadimplemento” se refere ao descumprimento do acordo como um todo, não haveria que se falar em ofensa à coisa julgada no caso concreto.

O fato é que, muitas vezes, as partes se valem de termos genéricos no acordo, perdendo a oportunidade de especificar – deixando bem claro – quais são as reais condições para a incidência da multa. Faria uma enorme diferença se o termo de conciliação previsse, por exemplo, o seguinte: “Em caso de inadimplemento, o que inclui a hipótese de atraso no pagamento de qualquer das parcelas avençadas, incidirá multa de 50% em favor do reclamante (…)”.

Não são tão raros os processos em que se discute essa questão. E, ainda assim, continua-se insistindo no uso do termo genérico mencionado acima.

Pois bem, considerando o contexto do caso concreto, de um modo geral:

1. Contra a aplicação da multa, costuma-se a argumentar o seguinte:

  1. o “mero atraso” no pagamento da parcela não caracteriza “inadimplemento” do acordo;
  2. deve prevalecer a boa-fé do reclamado que, mesmo com atraso de poucos dias, paga a parcela de maneira voluntária, ou seja, sem precisar dar início à execução forçada; e
  3. a cláusula penal deve ser interpretada de maneira razoável, a fim de se evitarem abusos e o enriquecimento indevido do reclamante, o qual, com o recebimento integral do crédito, não obteve prejuízo.

2. A favor da aplicação da multa, costuma-se a argumentar o seguinte:

  1. há caracterização da mora quando o pagamento não é efetuado no tempo estabelecido entre as partes (artigos 835 da CLT e 394 do Código Civil);
  2. os termos do acordo firmado devem ser interpretados com base na intenção manifestada pelas partes e na prática judicial (artigos 112 e 113 do Código Civil), sendo que o termo “inadimplemento” abarca a hipótese de “atraso” no pagamento da parcela; e
  3. a tolerância ao atraso gera desequilíbrio na conciliação, o que não se admite nem mesmo sob o fundamentado de aplicação dos princípios da razoabilidade e da boa-fé.

Em suma, o caso retrata uma discussão que pode, facilmente, ser evitada nos autos, desde que as partes fiquem atentas ao uso de termos que, em tese, possam implicar em dupla interpretação.

Deixe um comentário

[vc_row content_placement="middle" scheme="dark" row_type="normal" row_delimiter="" row_fixed="" hide_on_tablet="" hide_on_mobile="" hide_on_frontpage="" css=".vc_custom_1496914894286{background-color: #23282c !important;}"][vc_column icons_position="left"][trx_sc_content size="1_1" number_position="br" title_style="default" padding="none"][vc_empty_space alter_height="medium" hide_on_mobile="" css=".vc_custom_1497434392904{margin-top: -0.25rem !important;}"][vc_row_inner equal_height="yes" content_placement="middle"][vc_column_inner width="1/2" icons_position="left"][trx_widget_contacts columns="" googlemap="" socials="" logo="1165"][/trx_widget_contacts][/vc_column_inner][vc_column_inner width="1/2" column_align="right" icons_position="left"][trx_widget_socials align="right"][/vc_column_inner][/vc_row_inner][/trx_sc_content][/vc_column][/vc_row][vc_row full_width="stretch_row" row_type="compact" row_delimiter="" row_fixed="" hide_on_mobile="" hide_on_frontpage="" css=".vc_custom_1493286847320{background-color: #171a1d !important;}"][vc_column column_align="center" icons_position="left"][trx_sc_content size="1_1" float="center" number_position="br" title_style="default" padding="none"][vc_wp_text]

Felipe Kakimoto 2024. Todos os Direitos reservados. Desenvolvido por Clipper & Oceano Digital.

[/vc_wp_text][/trx_sc_content][/vc_column][/vc_row]