HORAS EXTRAS EM ATIVIDADE EXTERNA

“(…) VENDEDORA PROPAGANDISTA. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DA JORNADA. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 62, I, DA CLT. DEMONSTRAÇÃO. PROVIMENTO.

O artigo 62, I, da CLT estabelece exceção ao regime de controle de jornada aos empregados que exercem atividade externa, sempre que não for possível a fixação de horário. A contrario sensu, quando na atividade externa for viável a aferição do horário de trabalho, com o controle da jornada, não há falar na incidência do disposto no mencionado preceito, o que possibilita o empregado a reivindicar o pagamento de horas extraordinárias, caso demonstrado labor superior ao estabelecido em lei. Sobre as formas de controle, este Tribunal Superior tem admitido todos aqueles que, de forma direta ou indireta, tornem possível o acompanhamento da jornada de trabalho, sendo despiciendo para o afastamento da exceção do artigo 62, I, da CLT, o fato de o empregador não realizar a efetiva fiscalização, mesmo dispondo de meios para tanto. Oportuno realçar que o dispositivo em epígrafe cuida de uma excepcionalidade, de um tipo específico de empregado, que, dado o ofício que desempenha, fora do ambiente de trabalho da empresa, lhe é aplicado tratamento diferenciado. E diante da natureza especial do labor, a norma jurídica estabeleceu a presunção de que esses empregados não estão submetidos à fiscalização de jornada. Por conta disso, apenas por meio de prova em contrário poderá ser afastada a circunstância presumida da inviabilidade do citado controle. E não basta a constatação de um fato isolado na atividade exercida pelo empregado externo para que se infira como viável a fiscalização da sua jornada. É necessário que exista um conjunto de elementos de prova (registro de itinerários das viagens; visitas a clientes de forma programada; itinerários pré-estabelecidos; monitoramento do serviço por meio telefônico ou outro instrumento de comunicação; obrigação de iniciar e terminar a jornada na empresa em determinado horário; acompanhamento do percurso de trabalho por meio de equipamento via satélite) capaz de levar à indubitável conclusão de que, no caso concreto, de fato, há a possibilidade do efetivo controle do horário de labor do empregado. Na hipótese, o egrégio Tribunal Regional, amparado no acervo fático-probatório do processo, consignou ser incontroverso que a reclamante, no desempenho da função de vendedora propagandista de produtos farmacêuticos, cumpria jornada externa. Destacou, ademais, a partir de trechos de depoimentos do preposto e de testemunhas, que a empresa fornecia tablet, palm top e telefone celular como instrumentos de trabalho; que o controle das visitas era realizado diariamente através dos registros efetuados no tablet; que as visitas se davam de acordo com roteiro prévio; que nesse roteiro restava estabelecida uma média de 12 visitas por dia; que a visitação poderia ser realizada em um número menor em um dia, com compensação posterior e; que havia conferência dos dados e horários anotados no tablet normalmente uma vez por semana. Nesse contexto, a Corte de origem concluiu que a empresa possuía mecanismo hábil para controlar a jornada de trabalho da empregada e que, se não o fez, foi porque não quis. Para reformar a sentença, de modo a condenar a reclamada ao pagamento de horas extraordinárias e reflexos, salientou que, diante da presunção decorrente do poder empregatício e em face da ausência de controles de frequência, devem incidir os ditames da Súmula nº 338. Entende-se, contudo, que a mera menção no quadro fático delineado sobre fixação de número de visitas, cumprimento de metas, registro de dados e horários e conferência eventual do tablet fornecido pela empresa não se revela, por si só, suficiente para afastar a presunção da impossibilidade de fiscalização do horário de labor, na forma prevista no artigo 62, I, da CLT, na medida em que não se mostra hábil a revelar que, efetivamente, a empregada utilizava todo o tempo no exercício de suas funções e em favor da empregadora . Tem-se, portanto, que o Tribunal Regional, ao assim decidir, feriu o disposto no artigo 62, I, da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento”.

(RR-10834-13.2015.5.01.0025, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 02/10/2020, destaquei)

Em regra, o empregador que, em um único estabelecimento, possui mais de vinte empregados está obrigado a efetuar o registro dos horários de entrada e saída de cada um deles (§ 2º do artigo 74 da CLT), para fins de apuração e pagamento das horas extras eventualmente cumpridas (artigo 7º, incisos XIII e XVI, da CF; e artigo 58 da CLT).

Essa obrigação, vale dizer, continua existindo mesmo quando as atividades são desempenhadas fora do estabelecimento (§ 3º); e isso porque, à vista do poder diretivo exercido pelo empregador, presume-se que este efetua o controle dos horários de trabalho dos seus empregados.

O artigo 62 da CLT, por sua vez, traz algumas exceções a essa regra do controle e da proteção da jornada de trabalho, uma delas referente aos “empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados” (inciso I).

Perceba que esse dispositivo trata do exercício de atividade externa, assim como o § 3º do artigo 74 da CLT, supracitado, mas com uma distinção importante: esse trabalho fora do estabelecimento da empresa deve se dar de tal forma que se torne impossível, inviável, impraticável o controle da jornada cumprida pelo empregado.

Não adianta, simplesmente, o empregado “estar na rua” e essa condição laboral estar registrada na sua CTPS ou prevista em cláusula do contrato de trabalho: o contexto deve ser de total incompatibilidade entre o trabalho realizado (externamente) e a fiscalização dos horários realizados. E isso não é o empregador quem define. Não se trata de uma escolha dele controlar, ou não, a jornada de trabalho dos empregados. É a própria realidade que diz se o caso concreto se enquadra, ou não, na hipótese excetiva do inciso I do artigo 62 da CLT.

O caso representado pela ementa acima transcrita diz respeito a uma empregada contratada para exercer a função de vendedora propagandista, sendo incontroverso entre as partes que ela – reclamante – desempenhava atividade externa.

A discussão mesmo girou em torno da possibilidade de fiscalização, ainda que indireta, dos horários cumpridos pela vendedora; e, diante das provas orais apresentadas pelas partes, o TRT da 1ª Região entendeu que a empresa possuía mecanismos hábeis para acompanhar essa jornada. Assim decidiu, levando em consideração os seguintes fatores que envolveram a relação havida entre as partes:

  1. A empresa reclamada fornecia “tablet”, “palm top” e telefone celular como instrumentos de trabalho.
  2. As visitas efetuadas pela reclamante, bem como os seus respectivos horários, eram registrados no “tablet” e, com isso, era feito o controle semanal pela empresa.
  3. Essas visitas eram realizadas pela reclamante de acordo com roteiro previamente definido, o qual, inclusive, estabelecia o número de visitas a serem realizadas por dia.
  4. A variação no número de visitas diárias implicava compensação posterior.

Em recurso de revista, o TST reformou o acórdão regional. De acordo com a sua 4ª Turma, o artigo 62, inciso I, da CLT, por cuidar de uma situação excepcional e impor tratamento diferenciado aos empregados que desempenham atividade externa, estabeleceu uma presunção no sentido de que eles não estão submetidos à fiscalização de jornada – presunção essa que poderia ser ilidida apenas por um conjunto de elementos de prova em sentido contrário. A título de exemplo, foram citados estes elementos (constantes da própria ementa acima transcrita):

  1. registro de itinerários das viagens;
  2. visitas a clientes de forma programa;
  3. itinerários pré-estabelecidos;
  4. monitoramento do serviço por meio telefônico ou outro instrumento de comunicação;
  5. obrigação de iniciar e terminar a jornada na empresa em determinado horário;
  6. acompanhamento do percurso de trabalho por meio de equipamento via satélite.

Em suma, aqueles fatores levantados pelas provas orais do processo, por si sós, não seriam suficientes para afastar a presunção de que trata o artigo 62, inciso I, da CLT (incompatibilidade com a fixação de horário de trabalho), pois não levam à conclusão de que a empregada-reclamante estaria executando suas tarefas, em prol da empresa, durante todo aquele tempo registrado no “tablet”.

Perceba que, para 4ª Turma do TST, cabe ao empregado que exerce atividades externas comprovar que a sua jornada de trabalho esteve, sim, sujeita à fiscalização; e, somente depois de feita essa prova, o empregador deveria demonstrar que essa jornada não foi extrapolada. Por oportuno, cito o aresto a seguir:

“RECURSO DE REVISTA . RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. TRABALHO EXTERNO. ÔNUS DA PROVA. NÃO CONHECIMENTO.

O artigo 62, I, da CLT estabelece exceção ao regime de controle de jornada aos empregados que exercem atividade externa, sempre que não for possível a fixação de horário. A contrario sensu, quando na atividade externa for viável a aferição do horário de trabalho, com o controle da jornada, não há falar na incidência do disposto no mencionado preceito, o que possibilita o empregado a reivindicar o pagamento de horas extraordinárias, caso demonstrado labor superior ao estabelecido em lei. O dispositivo em epígrafe, frise-se, cuida de uma excepcionalidade, de um tipo específico de empregado, que, dado o ofício que desempenha, fora do ambiente de trabalho da empresa, lhe é aplicado tratamento diferenciado. E diante da natureza especial do labor, a norma jurídica estabeleceu a presunção de que esses empregados não estão submetidos à fiscalização de jornada. Em vista disso, apenas por meio de prova em contrário poderá ser afastada a circunstância presumida da inviabilidade do citado controle, incumbindo ao empregado, e não ao empregador, o encargo de comprovar que faz jus ao pagamento de horas extraordinárias. Com efeito, em observância à regra da distribuição do ônus da prova (artigos 818 da CLT e 373, I e II, do CPC/2015), cabe ao autor comprovar o fato constitutivo do seu direito, no caso, ao empregado demonstrar que estava submetido à fiscalização de horário e que havia extrapolação da jornada legal de trabalho. Precedentes. Assim, somente depois de o empregado provar que sofria fiscalização no seu horário de labor (fato constitutivo) é que incumbirá ao empregador demonstrar que o tempo de trabalho não ultrapassava a jornada legal (fato impeditivo). Na hipótese, correta a decisão da egrégia Corte Regional que atribuiu ao reclamante o encargo de demonstrar a existência de controle de jornada e de horas extraordinárias devidas. Ora, se a incompatibilidade de fiscalização de jornada é presumida, sendo tal presunção favorável ao empregador, cabe ao empregado provar o contrário. Em tal circunstância, não se pode exigir do empregador que apresente controle de ponto, já que não provado pelo empregado O controle de jornada. A decisão regional, portanto, está em conformidade com a atual, iterativa e notória jurisprudência desta colenda Corte Superior, razão pela qual se aplica o óbice previsto na Súmula nº 333. Dessa forma, a incidência do referido óbice processual (súmula nº 333), a meu juízo, é suficiente para afastar a transcendência da causa, uma vez que inviabilizará a análise da questão controvertida no recurso de revista e, por conseguinte, não serão produzidos os reflexos gerais, nos termos previstos no § 1º do artigo 896-A da CLT. Recurso de revista de que não se conhece”.

(RR-1001157-04.2018.5.02.0705, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 04/09/2020, destaquei)

No entanto, há posicionamentos em sentido contrário no próprio Tribunal Superior do Trabalho, a exemplo da 5ª Turma, que, neste julgado abaixo, inclusive, fez alusão a entendimento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais acerca da matéria:

“I – (…) 1.3. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INCOMPATIBILIDADE COM A FIXAÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO. ÔNUS DA PROVA.

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte firmou posicionamento de que, em se tratando de empregado sujeito à atividade externa, à exceção do intervalo intrajornada, cujo usufruto é presumido, persistirá com o empregador o ônus de comprovar a inequívoca “incompatibilidade com a fixação de horário de trabalho”, na forma do artigo 62, I, da CLT, por constituir fato impeditivo do direito postulado, concernente às horas extras. Precedentes da SBDI-I e de todas as Turmas deste Tribunal. Vale notar que, na hipótese dos autos, já foi excluído o pagamento, como extras, das 7ª e 8ª horas trabalhadas, porquanto não mais reconhecido o direito da autora à jornada reduzida dos bancários. Assim, persiste a condenação da reclamada apenas quanto ao pagamento das horas excedentes à 8ª diária e 44ª semanal, segundo os parâmetros fixados na inicial quanto à jornada cumprida, “das 8h/9h às 18h/18h30 de segunda a sexta-feira, com uma hora de intervalo intrajornada e aos sábados das 8h às 12h30/13h, sem intervalo intrajornada”, a ser apurada em liquidação de sentença. Recurso de revista não conhecido, no particular”.

(RR-1788-86.2014.5.03.0022, 5ª Turma, Relator Ministro Emmanoel Pereira, DEJT 20/09/2019, destaquei).

Ao meu ver, esse último parece ser o posicionamento mais acertado, já que, como visto no início destes comentários, a CLT também admite a hipótese de exercício de trabalho externo com o controle dos horários de trabalho (§ 3º do artigo 74 da CLT). Por sua vez, a “incompatibilidade” de que trata o artigo 62, inciso I, da CLT, seria fato impeditivo do direito do empregado às horas extras postuladas; e fato impeditivo, como se sabe, deve ser provado pela parte reclamada (artigo 818, inciso II, da CLT).

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