É POSSÍVEL A PENHORA DE GANHOS DO EXECUTADO?

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DITO COATOR PRATICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.105/15. EXECUÇÃO. PENHORA DE 50% DOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA RECEBÍVEIS. ATO COATOR PRATICADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PARTICULARIDADE DO CASO CONCRETO. PERCEBIMENTO DE SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE DE PENHORA. ARTS. 1º, III, E 7º, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

I. O art. 7º, Inciso IV, da CRFB prevê dentre os direitos e garantias fundamentais um salário mínimo, “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”, erigindo-o como instrumento de preservação da dignidade da pessoa humana.

II. No caso concreto, durante a fase de execução da ação subjacente, ao verificar que o executado subsidiário recebia proventos de aposentadoria, o magistrado da 33ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou a penhora de 50% de seus ganhos líquidos, com base nos arts. 833, § 2º, e 529 do Código de Processo Civil de 2015.

III. A fim de cassar os efeitos dessa decisão, o executado impetrou mandado de segurança, alegando a impenhorabilidade dos proventos de aposentadoria.

IV. O Tribunal Regional a quo, ao observar que o executado percebia o valor de apenas um salário mínimo de proventos, concedeu-lhe a segurança.

V. Diante disso, o exequente, litisconsorte passivo, interpôs recurso ordinário, sustentando ser “plenamente possível a penhora parcial de salário ou benefício previdenciário para satisfação de verba de caráter alimentar “. Requereu a manutenção da decisão atacada.

VI. Contudo, não obstante a alteração na jurisprudência dessa Corte Superior, que passou a considerar possível a determinação de penhora de vencimentos realizados na vigência do CPC de 2015 para satisfação de débitos de natureza trabalhista, desde que limitada a 50% do montante recebível, observou-se que o caso dos autos possui verdadeiras particularidades.

VII. Da leitura dos documentos colacionados com a inicial, ficou comprovado que o executado, hoje com 75 anos de idade, percebe proventos de aposentadoria no valor de um salário mínimo.

VIII. Destarte, realizando-se uma ponderação entre o direito do exequente de ver seu crédito satisfeito e a própria subsistência do executado, o qual seria condenado a sobreviver com metade de um salário mínimo até a satisfação total do débito, concluiu-se que este se sobressai em detrimento daquele, com base na dignidade da pessoa humana, fundamento da república (art. 1º, III, da Constituição da República).

IX. Recurso ordinário de que se conhece e a que se nega provimento

(RO-1002653-49.2018.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 02/10/2020, destaquei).

A impenhorabilidade dos ganhos do devedor é matéria que vem sendo discutida, há bastante tempo, nas execuções trabalhistas.

O parâmetro legal sempre foi as disposições do Código de Processo Civil, sendo que o de 1973, com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006, previa o seguinte:

“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
(…)
IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo.
(…)
§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.”

No que diz respeito à exceção prevista nesse § 2º, o Tribunal Superior do Trabalho, em 03/12/2008, consolidou entendimento no sentido de que a “prestação alimentícia” ali referida era espécie (e não gênero) de crédito de natureza alimentícia, de modo que permaneciam absolutamente impenhoráveis os ganhos do devedor trabalhista.

Era esta a redação da OJ nº 153 da SDI-2 do TST:

153. MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC DE 1973. ILEGALIDADE.
Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista.
(destaquei)

Com o advento do novo CPC, o artigo 649 foi substituído pelo artigo 833 e a redação do seu § 2º sofreu sensível alteração:

Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
(…)
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

(destaquei)

Perceba que, além de retirado, do “caput” desse novo dispositivo, o termo “absolutamente”, a exceção por ele mesmo referida passou a fazer alusão ao pagamento de prestação alimentícia, “independentemente de sua origem”.

Com isso, a redação da OJ nº 153, acima transcrita, também foi modificada pelo Tribunal Pleno do TST, a fim de restringir o entendimento anterior ao período abrangido pelo CPC de 1973:

153. MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC DE 1973. ILEGALIDADE. (atualizada em decorrência do CPC de 2015)
Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC de 1973 contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973 espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista.
(destaquei)

Atualmente, portanto, prevalece o entendimento no sentido de ser possível, sim, a penhora dos ganhos do executado trabalhista:

  1. se esses ganhos são superiores a 50 salários mínimos, a penhora recai sobre o valor que exceder esse limite, sendo a dívida de natureza alimentar ou não;
  2. se esses ganhos são inferiores a 50 salários mínimos, somente é possível a penhora para satisfação de crédito de natureza alimentar, observado o limite de 50% dos ganhos líquidos do executado – limite esse previsto no § 3º do artigo 529 do CPC, o qual é expressamente citado no próprio § 2º do artigo 833.

Nada obstante, o caso concreto traz uma particularidade que fez o TST mitigar esse novo posicionamento que vem sendo adotado: os ganhos mensais do executado (proventos de aposentadoria) são de um salário mínimo mensal, de modo que qualquer penhora sobre eles implica em redução para nível inferior àquele previsto no artigo 7º, inciso IV, da CF.

Entendeu-se, assim, que a subsistência do executado deve prevalecer sobre o próprio direito do exequente à satisfação do seu crédito, à vista do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF).

Diante de tudo isso, é possível concluir serem estes os aspectos a serem enfrentados na discussão que envolve a penhora dos ganhos do devedor trabalhista:

  1. a data em que se decide essa questão (antes ou depois do início da vigência do CPC/2015);
  2. a natureza do crédito executado (alimentar ou não);
  3. os limites impostos a essa penhora (artigo 833, § 2º, c/c o artigo 529, § 3º, do CPC);
  4. preservação da subsistência do executado.

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