O sistema de uniformização da jurisprudência trabalhista passou por transformações significativas nos últimos seis anos. Considero importante contextualizarmos essas mudanças, para que possamos entender, com mais clareza, como abordar e usar essa jurisprudência na prática.
Para facilitar a compreensão, vamos, aqui, dividir em três as fases do procedimento de uniformização da jurisprudência: (i) antes da Lei nº 13.015/2014; (ii) depois da Lei 13.015/2014; (iii) depois da Lei nº 13.467/2017.
1 – PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 13.015/2014
As últimas alterações que precederam o advento da Lei nº 13.015/2014 trouxeram as seguintes disposições ao artigo 896 da CLT, que trata do recurso de revista:
“§ 3o Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência, nos termos do Livro I, Título IX, Capítulo I do CPC, não servindo a súmula respectiva para ensejar a admissibilidade do Recurso de Revista quando contrariar Súmula da Jurisprudência Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 1998)
§ 4º A divergência apta a ensejar o Recurso de Revista deve ser atual, não se considerando como tal a ultrapassada por súmula, ou superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. (alterado pela Lei nº 9.756, de 1998)
§ 5º – Estando a decisão recorrida em consonância com enunciado da Súmula da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, poderá o Ministro Relator, indicando-o, negar seguimento ao Recurso de Revista, aos Embargos, ou ao Agravo de Instrumento. Será denegado seguimento ao Recurso nas hipóteses de intempestividade, deserção, falta de alçada e ilegitimidade de representação, cabendo a interposição de Agravo. (Redação dada pela Lei nº 7.701, de 1988)
(destaquei)
Perceba que, à época, a Consolidação das Leis do Trabalho já contava com norma que obrigava os Tribunal Regionais do Trabalho a uniformizarem a sua jurisprudência, observando, para isso, as disposições dos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil de 1973.
No entanto, não existia um controle dessa uniformização por órgão jurisdicional superior, de modo que a adoção do procedimento ficava a critério de cada TRT; e, em razão disso, os acórdãos regionais poderiam ser utilizados como paradigma da divergência jurisprudencial apta a ensejar a interposição do recurso de revista.
2 – PERÍODO POSTERIOR À LEI Nº 13.015/2014
O diploma legal em questão veio dispor sobre o processamento de recursos no âmbito da Justiça do Trabalho, entre eles, o recurso de revista. Com isso, a uniformização da jurisprudência no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho passou a contar com as seguintes disposições:
“§ 3o Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência e aplicarão, nas causas da competência da Justiça do Trabalho, no que couber, o incidente de uniformização de jurisprudência previsto nos termos do Capítulo I do Título IX do Livro I da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
§ 4o Ao constatar, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, a existência de decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo Tribunal Regional do Trabalho sobre o tema objeto de recurso de revista, o Tribunal Superior do Trabalho determinará o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que proceda à uniformização da jurisprudência.
§ 5o A providência a que se refere o § 4o deverá ser determinada pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, ao emitir juízo de admissibilidade sobre o recurso de revista, ou pelo Ministro Relator, mediante decisões irrecorríveis.
§ 6o Após o julgamento do incidente a que se refere o § 3o, unicamente a súmula regional ou a tese jurídica prevalecente no Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho servirá como paradigma para viabilizar o conhecimento do recurso de revista, por divergência.
§ 7o A divergência apta a ensejar o recurso de revista deve ser atual, não se considerando como tal a ultrapassada por súmula do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, ou superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.”
(destaquei)
O procedimento de uniformização da jurisprudência continuou sendo aquele previsto nos artigos 476 a 479 da CPC/1973, mas, desta vez, passou a existir um controle pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Não havendo, por parte do Desembargador do Trabalho, a iniciativa de que trata o artigo 476 do CPC, a uniformização da jurisprudência pelo TRT poderia ser determinada: (i) pelo Presidente ou Vice-Presidente desse TRT, quando do exercício do juízo de admissibilidade do recurso de revista; ou (ii) pelo Ministro Relator desse recurso de revista no TST, quando constatada a existência de decisões atuais e divergentes, no âmbito do mesmo TRT, acerca da matéria que está sendo abordada no aludido recurso.
O procedimento do incidente de uniformização da jurisprudência no âmbito dos TRTs ainda foi regulamentado pelo TST, no Ato SEJUD.GP nº 491/2014 (artigo 3º) e na Instrução Normativa nº 37/2015 (aprovada pela Resolução nº 195/2015).
Desse incidente, poderia resultar a edição: (i) de uma súmula, quando a uniformização se desse pelo voto da maioria absoluta dos membros do TRT; ou (ii) de uma tese jurídica prevalecente, no caso de maioria simples.
Uma vez uniformizada a jurisprudência acerca do tema no âmbito do TRT, a súmula ou a tese jurídica prevalecente (e não mais o acórdão regional) passava a servir como paradigma da divergência jurisprudencial apta a ensejar a interposição do recurso de revista.
O novo Código de Processo Civil, vigente a partir de 18/03/2016, deixou de prever o incidente de uniformização da jurisprudência de que tratavam os artigos 476 a 479 do CPC/1973, mas, no âmbito da Justiça do Trabalho, o procedimento continuou a ser observado, na forma dos §§ 3º a 6º do artigo 896 da CLT e do regimento interno de cada TRT (artigo 2º da Instrução Normativa nº 40/2016 do TST, aprovada pela Resolução nº 205/2016).
3 – PERÍODO POSTERIOR À LEI Nº 13.467/2017
Com o advento da Lei que instituiu a denominada reforma trabalhista, os §§ 3º, 4º, 5º e 6º do artigo 896 da CLT foram expressamente revogados, mas a obrigação quanto à uniformização da jurisprudência continuou a existir, desta vez, à luz do artigo 926 do CPC/2015, o qual veio substituir o artigo 476 do CPC/1973:
“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”
(destaquei)
Como é possível perceber, a lei passou a dispor que o procedimento de uniformização, do qual resultará a edição de súmula do tribunal, será aquele previsto no próprio regimento interno desse tribunal.
Com a revogação dos preceitos celetistas acima mencionados, também não se aplicam mais as disposições do Ato SEJUD.GP nº 491/2014 e da Instrução Normativa nº 37/2015, mencionadas no tópico anterior. Além disso, o controle externo, antes exercido pelo Tribunal Superior do Trabalho, deixa de existir.
Em 21/06/2018, foi editada a Instrução Normativa nº 41/2018 do TST (Resolução nº 221/2018), prevendo, no seu artigo 18, o dever de os Tribunais Regionais do Trabalho uniformizaram a sua jurisprudência, na forma do artigo 926 do CPC/2015; e tratando da conservação da natureza vinculante das súmulas e das teses jurídicas prevalecentes resultantes do antigo incidente de uniformização da jurisprudência.
A partir daqui, podemos falar, definitivamente, da aplicação dos outros institutos de uniformização da jurisprudência, previstos no Novo Código de Processo Civil: (i) incidente de recursos (de revista) repetitivos; (ii) incidente de resolução de demandas repetitivas; e (iii) incidente de assunção de competência.
Além disso, foi com a Lei nº 13.467/2017 que o instituto da transcendência, como pressuposto do recurso de revista, passou a ser definitivamente regulamentado (§§ 1º a 6º do artigo 896-A da CLT).
É sobre eles que falaremos nas próximas publicações. Até lá.