CONFLITO ENTRE COISAS JULGADAS: QUAL DEVE PREVALECER?

“RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO FUNDADO EM OFENSA À COISA JULGADA (ART. 966, IV, DO CPC/2015). CONFIGURAÇÃO. INCIDÊNCIA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N.º 132 DA SBDI-2.

Nos termos da Orientação Jurisprudencial n.º 132 da SBDI-2, “Acordo celebrado – homologado judicialmente – em que o empregado dá plena e ampla quitação, sem qualquer ressalva, alcança não só o objeto da inicial, como também todas as demais parcelas referentes ao extinto contrato de trabalho, violando a coisa julgada, a propositura de nova reclamação trabalhista”. In casu, sendo inconteste que na primeira Reclamação Trabalhista ajuizada foi homologado acordo, no qual o trabalhador conferiu “a mais ampla, rasa, total e irretratável quitação quanto ao objeto da presente ação e quanto à relação jurídica que uniu as partes, assim como o extinto contrato de trabalho”, é de se reconhecer a afronta à coisa julgada quando da apresentação da segunda Reclamação Trabalhista, visto que a causa de pedir nessa demanda está amparada no extinto contrato de trabalho, o qual já havia sido completamente quitado. Recurso Ordinário conhecido e não provido”

(RO-80013-73.2017.5.07.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 15/05/2020).

É muito comum, em acordos firmados nos próprios autos da ação trabalhista, a existência de cláusula que preveja a quitação ampla a irrestrita não só do objeto da própria reclamação, mas também da relação jurídica havida entre as partes – na hipótese, o contrato de trabalho, seja ele “de emprego”, ou não.

No entanto, acontece algumas vezes de, mesmo após uma conciliação nesses termos, o trabalhador/empregado vir ajuizar uma nova ação, pleiteando parcelas também decorrentes daquela mesma relação jurídica. Normalmente, nesses casos, a parte reclamada argui preliminar de coisa julgada em sua defesa e a questão se resolve rapidamente, com a extinção do feito sem resolução do mérito, na forma do artigo 485, inciso V, do CPC.

Mas nem sempre é assim.

No caso concreto, a segunda ação trabalhista foi julgada à revelia da parte reclamada, que foi citada, mas não compareceu em juízo. Os pedidos formulados na inicial foram parcialmente acolhidos e a sentença transitou em julgado nos termos em que proferida.

A partir desse momento, passam a existir duas coisas julgadas em relação às mesmas partes e ao mesmo objeto (o contrato de emprego): a primeira, correspondente à sentença homologatória do acordo firmado entre elas (artigo 487, inciso III, alínea “b”, do CPC); e a segunda, relativa à sentença de mérito proferida nos autos do processo mais recente (artigo 487, inciso I, do CPC).

Este é o cerne da discussão estabelecida entre partes no caso concreto: qual é a coisa julgada que deve prevalecer?

O Superior Tribunal de Justiça se posiciona no sentido de que, em caso de conflito entre coisas julgadas, deve ser adotado o critério temporal, predominando a decisão que transitou em julgado por último, salvo uma única exceção: a desconstituição dessa decisão em sede de ação rescisória.

Por oportuno, transcrevo aqui a ementa do julgado do STJ mencionada no próprio acórdão da SDI-2 do TST:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSENSO ESTABELECIDO ENTRE O ARESTO EMBARGADO E PARADIGMAS INVOCADOS. CONFLITO ENTRE COISAS JULGADAS. CRITÉRIO TEMPORAL PARA SE DETERMINAR A PREVALÊNCIA DA PRIMEIRA OU DA SEGUNDA DECISÃO. DIVERGÊNCIA QUE SE RESOLVE, NO SENTIDO DE PREVALECER A DECISÃO QUE POR ÚLTIMO TRANSITOU EM JULGADO, DESDE QUE NÃO DESCONSTITUÍDA POR AÇÃO RESCISÓRIA. DISCUSSÃO ACERCA DE PONTO SUSCITADO PELA PARTE EMBARGADA DE QUE, NO CASO, NÃO EXISTIRIAM DUAS COISAS JULGADAS. QUESTÃO A SER DIRIMIDA PELO ÓRGÃO FRACIONÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS PARCIALMENTE.

1. A questão debatida neste recurso, de início, reporta-se à divergência quanto à tese firmada no aresto embargado de que, no conflito entre duas coisas julgadas, prevaleceria a primeira decisão que transitou em julgado. Tal entendimento conflita com diversos outros julgados desta Corte Superior, nos quais a tese estabelecida foi a de que deve prevalecer a decisão que por último se formou, desde que não desconstituída por ação rescisória. Diante disso, há de se conhecer dos embargos de divergência, diante do dissenso devidamente caracterizado.

2. Nesse particular, deve ser confirmado, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento majoritário dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, na seguinte forma: “No conflito entre sentenças, prevalece aquela que por último transitou em julgado, enquanto não desconstituída mediante Ação Rescisória” (REsp 598.148/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/8/2009, DJe 31/8/2009).

3. Entendimento jurisprudencial que alinha ao magistério de eminentes processualistas: “Em regra, após o trânsito em julgado (que, aqui, de modo algum se preexclui), a nulidade converte-se em simples rescindibilidade. O defeito, arguível em recurso como motivo de nulidade, caso subsista, não impede que a decisão, uma vez preclusas as vias recursais, surta efeito até que seja desconstituída, mediante rescisão (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed, Forense: 1985, vol. V, p. 111, grifos do original). Na lição de Pontes de Miranda, após a rescindibilidade da sentença, “vale a segunda, e não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se”. (Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. , t. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 214).

4. Firmada essa premissa, que diz respeito ao primeiro aspecto a ser definido no âmbito deste recurso de divergência, a análise de questão relevante suscitada pela parte embargada, no sentido de que, no caso, não existiriam duas coisas julgadas, deve ser feita pelo órgão fracionário. É que a atuação desta Corte Especial deve cingir-se à definição da tese, e, em consequência, o feito deve retornar à eg. Terceira Turma, a fim de, com base na tese ora estabelecida, rejulgar a questão, diante da matéria reportada pela parte embargada.

5. Embargos de divergência providos parcialmente.

(EAREsp 600.811/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/12/2019, DJe 07/02/2020 – destaquei)

O julgamento proferido pela SDI-2 do TST se deu, justamente, em sede de ação rescisória ajuizada pela parte reclamada que havia sido declarada revel na segunda ação trabalhista ajuizada. Daí o porquê de não prevalecer a sentença de mérito nela proferida (a que por último transitou em julgado), a qual foi desconstituída, por violação à coisa julgada (artigo 966, inciso IV, do CPC).

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