Confissão ficta não é causa ganha

Imagine a seguinte situação hipotética: você, representando o reclamante em uma ação trabalhista, apresenta a petição inicial com pedido de horas extras. Até percebe que a jornada de trabalho informada pelo seu cliente é um tanto excessiva – chega a ultrapassar os limites do razoável –, mas foi o que lhe disse o empregado, e você precisa acreditar nele.

 

O reclamado protocola a sua contestação. Como esperado, impugna a jornada de trabalho alegada na petição inicial, mas não junta os cartões de ponto. Para piorar, injustificadamente, não comparece na audiência de instrução, o que lhe rende o reconhecimento da confissão ficta.

 

Você vibra. Afinal, a confissão ficta implica a presunção relativa de veracidade das alegações aduzidas na petição inicial.

 

Pois é. A presunção é apenas RELATIVA, e, como tal, ela não admite comemorações antecipadas.

 

Uma coisa é o reconhecimento da confissão ficta da parte. Outra coisa é a produção dos seus efeitos se tornar uma realidade no caso concreto. A verdade é que isso não ocorrerá diante de alegações de fato tidas como inverossímeis pelo juiz (inteligência do art. 345, IV, do CPC).

 

Lembra da jornada de trabalho excessiva, que você mesmo considerou um tanto irrazoável?

 

Se ela gerou um estranhamento para você, também com estranhamento poderá ser recebida pelo juiz; e, nesse caso, a confissão ficta do reclamado não será suficiente para o êxito da pretensão.

 

Agora vamos lá: esse não é um caso hipotético. É real.

 

Nele, o juiz rejeitou, integralmente, o pedido de horas extras: considerou inverossímil o horário de trabalho alegado e, mesmo com confissão do reclamado, mesmo com ausência de cartões de ponto, considerou verídica a jornada alegada na contestação – e assim o fez corretamente, vale dizer.

 

Sim, é uma grande reviravolta. E eu quero que você saiba proteger o seu cliente dela:

 

  1. Identificando que existe o risco de a alegação de fato ser considerada inverossímil pelo juiz, não importa o que aconteça: você deve insistir na realização da prova. Ou você obtém a confissão real do reclamado sobre o fato alegado ou o prova por testemunha.

 

  1. Sendo indeferida a realização dessa prova, você deve consignar os protestos na ata da audiência: eles serão úteis no caso de insucesso na pretensão.

 

  1. Se o pedido for rejeitado com fundamento no art. 345, IV, do CPC, você deve, em recurso ordinário, requerer a declaração de nulidade processual, por cerceamento de defesa, a fim de que seja reaberta a instrução e autorizada a realização da prova antes requerida e indeferida pelo juiz.

 

São três passos simples. De todo modo, eles exigem de você muita clareza sobre o que está sendo alegado e os possíveis desdobramentos disso no processo.

Felipe Kakimoto 2021. Todos os Direitos Reservados.

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