AS CUSTAS PROCESSUAIS DECORRENTES DA AUSÊNCIA INJUSTIFICADA DO RECLAMANTE À AUDIÊNCIA

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO AUTOR – RITO SUMARÍSSIMO – ARQUIVAMENTO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – AUSÊNCIA INJUSTIFICADA DO RECLAMANTE NA AUDIÊNCIA – PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS, AINDA QUE BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITACOMPATIBILIDADE DO ART. 844, § 2º, DA CLT COM O ART. 5º, CAPUT , XXXV E LXXIV, DA CF – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA – DESPROVIMENTO.

1. Nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, constitui transcendência jurídica da causa a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista ainda não solvida pelo TST.

2. In casu , o debate jurídico que emerge da presente causa diz respeito à compatibilidade do § 2º do art. 844 da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/17, que determina o pagamento de custas processuais pelo demandante, em casos de arquivamento de reclamação por sua injustificada ausência na audiência, ainda que beneficiário da justiça gratuita, frente aos princípios do livre acesso ao Poder Judiciário e da assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem a insuficiência de recursos, esculpidos no caput e nos incisos XXXV e LXXIV do art. 5º da Constituição Federal, questão que, inclusive, encontra-se pendente de análise pela Suprema Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI 5.766-DF, Rel. Min. Roberto Barroso).

3. Conforme se extrai do acórdão recorrido, o Autor, que litiga sob o pálio da justiça gratuita, além de não ter comparecido na audiência, não apresentou justificativa para a sua ausência, o que ensejou a sua condenação ao pagamento de custas processuais no importe de R$ 385,73 (trezentos e oitenta e cinco reais e setenta e três centavos).

4. Como é cediço, a Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467/17, ensejou diversas alterações no campo do Direito Processual do Trabalho, a fim de tornar o processo laboral mais racional, simplificado, célere e, principalmente, responsável, sendo essa última característica marcante, visando coibir as denominadas “aventuras judiciais”, calcadas na facilidade de se acionar a Justiça, sem nenhum ônus ou responsabilização por postulações carentes de embasamento fático.

5. Não se pode perder de vista o crescente volume de processos ajuizados nesta Justiça Especializada, muitos com extenso rol de pedidos, apesar dos esforços empreendidos pelo TST para redução de estoque e do tempo de tramitação dos processos.

6. Nesse contexto, foi inserido o § 2º no art. 844 da CLT pela Lei nº 13.467/17, responsabilizando-se o empregado, ainda que beneficiário da justiça gratuita, por acionar a máquina judicial de forma irresponsável, até porque, no atual cenário de crise econômica, por vezes a reclamada também é hipossuficiente, assumindo despesas não só com advogado, mas também com deslocamento inútil, para ver a sua audiência frustrada pela ausência injustificada do autor.

7. Percebe-se, portanto, que o art. 844, § 2º, da CLT não colide com o art. 5º, caput , XXXV e LXXIV, da CF, ao revés, busca preservar a jurisdição em sua essência, como instrumento responsável e consciente de tutela de direitos elementares do ser humano trabalhador, indispensáveis à sua sobrevivência e à da família.

8. Ainda, convém ressaltar não ser coerente a conclusão de que a imposição de pagamento de custas processuais, inclusive como condição para ajuizamento de nova ação, prevista nos §§ 2º e 3º do art. 844 da CLT, obsta o trabalhador de ter acesso ao Poder Judiciário, até porque a própria lei excepciona da obrigação de recolher as referidas custas aquele que comprovar que a sua ausência se deu por motivo legalmente justificável, prestigiando, de um lado, o processo responsável, e desestimulando, de outro, a litigância descompromissada.

9. Por todo o exposto, não merece reforma o acórdão regional no qual se manteve a condenação do Autor ao pagamento de custas, restando incólumes os dispositivos apontados como violados na revista. Agravo de instrumento desprovido”.

(AIRR-11361-51.2018.5.15.0095, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 06/11/2020, destaquei).

Trata-se o julgado de questão um tanto recorrente no processo do trabalho após o advento da Lei nº 13.467/2017: o pagamento das custas processuais pelo reclamante, ainda que beneficiário da justiça gratuita, quando ele deixa de comparecer, injustificadamente, na audiência.

Dispõe o novo artigo 844 da CLT:

Art. 844 – O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.
§ 1o  Ocorrendo motivo relevante, poderá o juiz suspender o julgamento, designando nova audiência.
§ 2o  Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.
§ 3o  O pagamento das custas a que se refere o § 2o é condição para a propositura de nova demanda.
(destaquei)

Antes mesmo do início da vigência desse novo regramento, já vinha sendo bastante discutida a sua constitucionalidade, à vista dos princípios da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo legal e da assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (artigo 5º, incisos XXXV, LIV e LXXIV, da CF).

Em 28/08/2017, ainda durante o período de “vacatio legis” da Lei nº 13.467/2017, foi proposta a ADI nº 5.766/DF pela Procuradoria Geral da República, sendo que, até aqui, apenas dois Ministros do STF proferiram o seu voto: o Min. Roberto Barroso, Relator, decidindo pela procedência parcial da ADI e reconhecendo legítima a cobrança das custas processuais previstas no § 2º do artigo 844 da CLT, desde que o reclamante seja intimado, previa e pessoalmente, para justificar a sua ausência; e o Min. Edson Fachin, julgando a ação totalmente procedente.

O fato é que a questão não está definida; e, até o julgamento final da ADI, há presunção de constitucionalidade da norma impugnada. Isso implica dizer que ela deve, sim, ser observada, salvo decisão em sentido contrário por juiz ou tribunal, no exercício do controle difuso de constitucionalidade (artigos 948/950 do CPC), a exemplo do que fez o TRT da 1ª Região:

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 844 DA CLT, INTRODUZIDO PELA LEI 13.467/2017. ACOLHIMENTO. É inconstitucional o § 2º do art. 844 da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, por violar os direitos fundamentais de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados e de acesso à Justiça, previstos no art. 5º, incisos LXXIV e XXXV, da Constituição da República, bem como por afrontar os princípios da proporcionalidade e da isonomia. (0101572-20.2018.5.01.0000 – DEJT 15/06/2019 – destaquei)

ARGUIÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO §3º DO ART. 844 DA CLT, INTRODUZIDO PELA LEI Nº 13.467/17. ACOLHIMENTO. A exigência da parte reclamante, ainda que beneficiária da justiça gratuita, do pagamento das custas na forma do art. 789 da CLT, como condição para o ajuizamento de nova demanda, quando decorrente do arquivamento da ação anterior pelo não comparecimento da parte autora, salvo se comprovar que a ausência se deu por motivo legalmente justificável, afronta o art. 5º, incisos XXXV e LXXIV da Constituição Federal de 1988, bem como configura inequivocamente tratamento desproporcional conferido ao trabalhador mais carente, não sendo, portanto, compatível com o princípio da isonomia previsto no art. 5º, caput da CF/88. (0102412-30.2018.5.01.0000 – DEJT 18/05/2019 – destaquei)

No âmbito daquele Regional, essas decisões possuem caráter vinculante (inteligência do parágrafo único do artigo 949 do CPC).

Pois bem.

Pelo teor da ementa transcrita no início desta publicação, a 4ª Turma do TST se posiciona favoravelmente à constitucionalidade dos §§ 2º e 3º do artigo 844 da CLT, por prestigiar o “processo responsável” e desestimular a “litigância descompromissada”.

Entende-se não existir qualquer incompatibilidade da norma com a Constituição Federal, na medida em que o reclamante tem a oportunidade de justificar a sua ausência em quinze dias, ficando obrigado ao pagamento das custas processuais se assim não o fizer – apenas no caso de ausência injustificada, pois.

Trata-se de entendimento que também vem sendo aplicado por outras Turmas do TST.

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