“EXECUÇÃO DA DÍVIDA TRABALHISTA. MEDIDA RESTRITIVA DE DIREITO. MOTORISTA PROFISSIONAL. IMPOSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DE CNH.
Quando da análise do caso concreto pelo Juízo, o rol de medidas coercitivas previstas no inc. IV do art. 139 do CPC (aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho) deve ser cotejada com o direito fundamental ao trabalho (art. 5º, XII, CF) e com os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e utilidade prática. Caso em que, ante o insucesso das diligências executórias, o Juízo de origem impôs a suspensão da CNH do impetrante, motorista de UBER, medida coercitiva que não se coaduna com o direito fundamental ao trabalho bem como se mostra ineficaz para o exequente, pois não gera valor para o pagamento da dívida. Concedida a segurança.”
(MSCiv-0000668-06.2019.5.10.0000, TRT 10ª Região, 2ª Seção Especializada, Desembargador Relator Pedro Luís Vicentin Foltran, DEJT 24/07/2020 – destaquei).
O artigo 139 da CPC traz um rol de poderes e deveres do juiz, nele se incluindo a possibilidade de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Trata-se do que se tem denominado medidas atípicas na execução, muitas vezes adotadas com a finalidade de forçar o executado a cumprir a obrigação imposta na sentença. Na prática, são mais comuns determinações judiciais que consistem na suspensão da CNH, na retenção do passaporte e no bloqueio de cartões de crédito.
O que se discute é se essas medidas são mesmo adequadas ou se, ao contrário disso, caracterizam abuso de poder por parte do juízo que as determina.
No caso concreto, o TRT da 10ª Região, apreciando mandado de segurança interposto pela parte executada de uma ação trabalhista, entendeu que, embora o artigo 139, inciso IV, do CPC, seja aplicado ao processo do trabalho, as medidas atípicas devem ser adotadas sem violação aos direitos fundamentais e com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
De fato, a Instrução Normativa nº 39 do TST (artigo 3º, inciso III) prevê a aplicação do aludido dispositivo legal na seara trabalhista, mas, na prática, isso não tem sido admitido de forma irrestrita.
A advogada Patrícia Helena Marta Martins, sócia de Tozzini Freire Advogados, em artigo publicado no portal JOTA em 12/07/2019 e atualizado em 05/03/2020 (Efetividade no CPC de 2015: as medidas atípicas no processo de execução), pontuou três requisitos que vêm sendo exigidos pela jurisprudência para a aplicação das medidas atípicas:
Há tribunais que já uniformizaram a sua jurisprudência quanto ao tema, a exemplo do TRT da 9ª Região, a saber:
“OJ EX SE – 47: MEDIDAS PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 139, IV, CPC/15 AO PROCESSO DO TRABALHO.
Aplicável ao processo do trabalho o artigo 139, IV, do CPC/15, nos termos dos artigos 765 e 769 da CLT, artigo 15 do CPC e art. 3º, III, da IN 39/15 do TST. Admite-se entre estas medidas a determinação de bloqueio do uso dos cartões de crédito e da vedação de concessão de novos cartões ao executado que não satisfaz voluntariamente a execução ou não indica bens, nem são localizados bens passíveis de garantir a dívida. Em caráter excepcional, devidamente justificado nas circunstâncias do caso concreto, admite-se também a suspensão da CNH e a retenção de passaporte.”
(destaquei)
Ainda vale lembrar, aqui, que existe uma ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto é, justamente, o artigo 139, inciso IV do CPC. Trata-se da ADI nº 5.941, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores, do qual é relator o Ministro Luiz Fux, ainda pendente de julgamento.
Por oportuno, trago a ementa do parecer já apresentado pela Procuradoria Geral da República:
“CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. ARTS. 139, IV; 297-CAPUT; 380, PARÁGRAFO ÚNICO; 536-CAPUT, E §1º E 773-CAPUT DA LEI FEDERAL 13.105/2015 (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). MEDIDAS COERCITIVAS, INDUTIVAS OU SUB-ROGATÓRIAS. ATIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS. APREENSÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO E PASSAPORTE. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. PROIBIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO E LICITAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITOS FUNDAMENTAIS À LIBERDADE E AUTONOMIA PRIVADA. DIGNIDADE HUMANA. SEPARAÇÃO MODERNA ENTRE O PATRIMÔNIO E O INDIVÍDUO PROPRIETÁRIO. ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO. DEVER DE EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA. CONSTITUCIONALIDADE DA CLÁUSULA EXECUTIVA ABERTA. APLICAÇÃO DE MEDIDAS ATÍPICAS PELO JUIZ DEVE SE LIMITAR AO PRINCÍPIO DA PATRIMONIALIDADE E AOS LIMITES DA APLICAÇÃO DO DIREITO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO QUANTO AO ESGOTAMENTO DAS MEDIDAS TÍPICAS.
1. A fase de cumprimento da sentença, em qualquer tipo de obrigação, não é punição ao devedor. O Estado de Direito repele qualquer medida que se aproxime da vingança ou que supere a autorização constitucional para invasão do patrimônio do devedor para satisfazer o crédito.
2. O princípio da patrimonialidade reflete o aprimoramento moderno do sistema de responsabilização civil. Quando particulares realizam transações quanto a bens disponíveis, apenas o patrimônio dessas partes responde por suas obrigações. A única exceção, definida pela própria Constituição, é a obrigação de prestar alimentos. Tal excepcionalidade se justifica pela dignidade humana, que impõe a solidariedade jurídica no atendimento de necessidades básicas de pessoa em condição de dependência.
3. A apreensão de Carteira Nacional de Habilitação, passaporte, a suspensão do direito de dirigir e a proibição de participação em concursos públicos ou licitações, como formas de coagir o devedor a cumprir sentença e se submeter a execução, são inconstitucionais.
4. O conjunto de liberdades fundamentais – de contratar, escolher profissão, ir e vir, prestar e usufruir de serviços – não podem ser sacrificadas para coagir ou constranger o devedor de prestação pecuniária.
5. Mesmo com a autorização legislativa presente na clausula geral que possibilita a fixação de medidas atípicas para cumprimento da sentença, o juiz não é livre para restringir mais direitos que o legislador. Ampla discricionariedade judicial, nesse temática, ameaça o princípio democrático.
6. Na aplicação de medidas atípicas, diversas da apreensão de CNH, passaporte, suspensão do direito de dirigir, proibição de participação em concorrências públicas, o juiz deverá fundamentar a decisão para esclarecer como as medidas típicas foram insuficientes no caso e demonstrar a proporcionalidade e adequação da medida atípica que adota.
– Parecer pela procedência do pedido.”
(destaquei)
Em suma, ao menos até que a ADI seja definitivamente julgada, vislumbra-se, em alguns casos concretos, a adoção de medidas atípicas na execução. É prudente que a parte interessada, ao formular requerimento nesse sentido, assim o faça de maneira justificada, abordando os requisitos que têm sido exigidos pela jurisprudência dos tribunais trabalhistas.
Lembre-se: pedidos fundamentados em arestos específicos do TRT perante o qual se atua – ou em súmula ou OJ já editada por ele, se o caso – têm maior chance de êxito.
Felipe Kakimoto 2021. Todos os Direitos Reservados.
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2 Comentários
Eduardo
O conteúdo desse site é incrível!!
Felipe Kakimoto
Muito Obrigado Eduardo