ALUGUEL DO ÚNICO IMÓVEL NÃO O DESCARACTERIZA COMO BEM DE FAMÍLIA

“RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ÚNICA PROPRIEDADE DO DEVEDOR. IMÓVEL ALUGADO.

Nos termos dos arts. 1º, 3º, e 5º, caput, da Lei nº 8.009/90, para caracterização do bem de família, e consequente impenhorabilidade, exige-se apenas que o bem indicado à penhora seja o único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Assim, a penhora efetivada sobre o único imóvel residencial afronta o próprio direito à moradia protegido constitucionalmente (art. 6º da Constituição Federal). Recurso de revista conhecido e provido.”

(RR-4500-13.2000.5.03.0031, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 22/05/2020 – destaquei).

1 – CONHECIMENTO DO RECURSO DE REVISTA EM FASE DE EXECUÇÃO

De acordo com o § 2º do artigo 896 da CLT, os acórdão proferidos pelos TRTs em execução são passíveis de impugnação pelo recurso de revista apenas na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal.

No caso, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que, embora a impenhorabilidade do bem de família esteja assegurada por lei infraconstitucional, o debate acerca da sua caracterização “ostenta contornos constitucionais”, tendo em vista a potencial ofensa ao direito fundamental à moradia, a preservação do núcleo familiar e a tutela da pessoa (respectivamente, artigos 6º, 226 e 1º, inciso III, todos da CF).

Quanto a isso, já ficou decidido pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais:

“RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. DESCONSTITUIÇÃO DE PENHORA PELA C. TURMA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFENSA CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE ÀS SÚMULAS 126, 266 E 297 DO TST.

Discutem-se no presente caso as alegações de revolvimento de fatos e provas, ausência de prequestionamento e de possibilidade de se conhecer de recurso de revista em fase de execução por violação dos artigos 5º, XXII, e 6º, da Constituição Federal, na hipótese de penhora de imóvel alegado como bem de família. Há tese explícita sobre a matéria no acórdão regional que tratou extensamente sobre a caracterização/configuração ou prova da condição do bem penhorado como “de família” e, embora o TRT não tenha reconhecido tal condição, apresentou os elementos fáticos e jurídicos suficientes para a apreciação e o deslinde da matéria pela c. Turma, que em face deles conferiu o enquadramento jurídico que entendeu pertinente. Assim, não há falar em revolvimento de fatos e provas, nem em ausência de prequestionamento, não se verificando contrariedade às Súmulas 126 e 297 desta Corte. A c. Turma reconheceu a violação dos artigos 5º, XXII e 6º, da Constituição Federal, por entender inviável a constrição do único imóvel destinado à residência e à moradia do executado e sua família, sem registro de outros de sua propriedade que sejam utilizados com o mesmo caráter de habitação. A única tese do acórdão da Turma contrastada pelos arestos paradigmas diz respeito à possibilidade ou não de violação dos artigos 5º, XXII, e 6º da Constituição Federal, na hipótese de desconstituição de penhora por se reconhecer comprovado que o imóvel constrito é destinado à moradia familiar. As garantias de propriedade e moradia não se revelam absolutas e impõem em muitos casos a análise prévia de norma legal, a caracterizar ofensa reflexa de norma constitucional. Bem assim, o direito à moradia deve ser analisado casuisticamente e não se confunde com o direito de propriedade que pode sucumbir pela garantia de solvabilidade das dívidas com o patrimônio do devedor, pois o fato da propriedade de imóvel, só por isso, não protege o devedor contra suas dívidas. O bem de família desfruta de proteção especial a amparar o seu detentor, inclusive com a cláusula de função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF) e sob o manto também de especial proteção da família (art. 226 da CF), de modo a legitimar a intervenção nessa esfera peculiar do domínio privado somente nas hipóteses admitidas pelo ordenamento jurídico. A regra primeira a ser observada é a de que a impenhorabilidade do imóvel residencial instrumentaliza e satisfaz a proteção da família quanto à necessidade material de moradia. Esta traduz, sempre numa primeira perspectiva, a garantia de subsistência individual e familiar, dá resguardo à dignidade da pessoa humana e concretiza o direito material social assegurado pelo mencionado artigo 6º, caput , da Constituição Federal. O direito à moradia é, portanto, a própria ratio legis desse dispositivo e a impenhorabilidade do imóvel destinado à residência ou habitação, embora nele não esteja expressa, dele decorre naturalmente como instrumento de proteção do indivíduo e de sua família. Assim, decorre da própria Constituição Federal a imposição de respeito à proteção à família, bem como a garantia de sua subsistência. Logo, diante de cada caso concreto, é perfeitamente viável se reconhecer ofensa aos artigos 5º, XXII e 6º, caput , da Constituição Federal, porque a inobservância dessas garantias, ainda que contidas em norma infraconstitucional, implica violação por via direta da proteção constitucional aos bens jurídicos da família que se referem à vida, à dignidade humana, à propriedade e à moradia. Desse modo, não se constata contrariedade à Súmula 266 do TST, nem violação do artigo 896, § 2º, da CLT na decisão da c. Turma que reconheceu ofensa a esses dispositivos constitucionais. Recurso de embargos conhecido por divergência jurisprudencial e desprovido “

(E-ED-RR-767-88.2011.5.01.0005, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 15/09/2017 – destaquei).

2 – QUESTÃO DE MÉRITO

De acordo com o artigo 1º da Lei nº 8.009/1990, “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”.

Por sua vez, o artigo 5º dispõe que, “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.

Finalmente, a Súmula nº 486 do STJ prevê que “é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”.

No caso concreto, o TRT da 3ª Região havia deixado de reconhecer o imóvel penhorado como bem de família, sob o fundamento de que, nos autos, não havia provas concretas da reversão da renda do aluguel para a subsistência do devedor ou para a moradia da sua família.

O TST, por sua vez, reviu essa decisão e reconheceu que o imóvel em epígrafe é impenhorável. Isso porque, além de comprovado o fato de se tratar do único imóvel da entidade familiar (fato esse descrito no acórdão regional), as exceções à regra da impenhorabilidade são, taxativamente, previstas no artigo 3º da Lei nº 8.009/1990; e, ali, não se inclui o fato de o imóvel estar alugado. Entendeu, assim, pela ocorrência de afronta direta e literal ao direito à moradia previsto no artigo 6º da CF.

Os julgados mencionados acima são importantes para se identificarem os fatores que devem, de maneira clara e objetiva, ser explorados pelas partes na discussão relacionada à caracterização do bem de família e, por conseguinte, ao cabimento, ou não, da penhora.

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