ACORDO INDIVIDUAL EM AÇÃO COLETIVA. COISA JULGADA.

A celebração de acordo individual no bojo de ação coletiva, devidamente homologado em Juízo, impede o posterior ajuizamento de ação individual, em razão da coisa julgada consumada (art. 831, parágrafo único, da CLT).”

(RO 0010442-91.2020.5.03.0009, TRT 3ª Região, 2ª Turma, Relatora Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo, DEJT 15/10/2020)

É comum, na seara trabalhista, o ajuizamento de ações coletivas por sindicatos representativos de categorias profissionais, visando a tutela de direitos coletivos (sentido amplo) e individuais homogêneos.

Os conceitos são dados pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe no seu artigo 81:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

A sentença proferida nas ações coletivas produzem coisa julgada, observando-se as seguintes regras (artigo 103 do CDC):

  1. Em caso de direitos difusos, a coisa julgada é “erga omnes”, exceto se a pretensão for totalmente rejeitada por insuficiência de provas. Sendo essa a hipótese (improcedência por falta de provas), qualquer legitimado pode propor nova ação, valendo-se de nova prova (inciso I);
  2. Em caso de direitos coletivos (sentido estrito), a coisa julgada é “ultra partes”, mas limitada ao grupo, categoria ou classe titular desses direitos, exceto se a pretensão for totalmente rejeitada por insuficiência de provas. Sendo essa a hipótese (improcedência por falta de provas), qualquer legitimado pode propor nova ação, valendo-se de nova prova (inciso II);
  3. Em caso de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada é “erga omnes”, quando acolhida a pretensão para beneficiar todos os titulares do direito reconhecido (inciso III).

O caso concreto trata, especificamente, de direitos individuais homogêneos: parcelas rescisórias de dezenas de empregados, decorrentes de dispensa em massa.

Primeiro, o sindicato representativo da categoria profissional ajuizou uma ação civil pública, visando a tutela daqueles direitos. Depois disso, um dos empregados substituídos propôs ação trabalhista, pela qual postula não apenas essas mesmas verbas rescisórias, como também outras parcelas decorrentes do seu contrato de trabalho.

A rigor, não haveria impedimento para o empregado ajuizar essa nova ação trabalhista, já que as ações coletivas não induzem litispendência para ações individuais; e, além disso, na prática, seria possível ele – empregado – optar pela (futura) coisa julgada da ação individual, em detrimento da coisa julgada “erga omnes” da ação coletiva (artigo 104 do CDC).

A título de ilustração, cito este aresto do TST:

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS NOS 13.015/2014 E 13.467/2017. 1. COISA JULGADA. ACORDO FIRMADO EM AÇÃO AJUIZADA POR SINDICATO COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL. AÇÃO INDIVIDUAL PROPOSTA PELO EMPREGADO SUBSTITUÍDO. INOCORRÊNCIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.
I. Esta Corte Superior, interpretando o teor do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor, firmou jurisprudência no sentido de que a ação ajuizada pelo sindicato da categoria profissional como substituto processual não induz litispendência nem faz coisa julgada em relação à reclamação trabalhista com mesmo pedido e causa de pedir proposta individualmente pelo empregado. Dessa forma, ainda que o acordo judicial tenha sido formalizado e homologado nos autos da ação coletiva, não há óbice à propositura de ação individual, pois inexistente a identidade dos sujeitos da relação processual, o que afasta, portanto, a caracterização de coisa julgada.
II. Ao extinguir o feito sem resolução de mérito em relação ao pedido de pagamento de adicional de periculosidade, sob o fundamento de que fez coisa julgada a decisão homologatória de acordo em ação coletiva, anteriormente ajuizada pelo sindicato representativo de classe, na condição de substituto processual, com o mesmo objeto, pedido e causa de pedir da ação individual, o Tribunal Regional decidiu a matéria de forma contrária à jurisprudência atual e notória desta Corte, violando o art. 104 do CDC.
III. Demonstrada transcendência política da causa e violação do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor. IV. Recurso de revista de que se conhece, e a que se dá provimento”
(RR-1906-52.2016.5.17.0006, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 06/11/2020, destaquei)

No entanto, o caso concreto contou com uma particularidade: o próprio reclamante da ação trabalhista, antes de ajuizá-la, firmou, pessoalmente, com o empregador-reclamado, acordo nos autos da ação civil pública, dando quitação ampla e irrestrita do seu contrato de trabalho.

Com isso, a 9ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte e, depois, a 2ª Turma do TRT da 3ª Região decidiram em favor da caracterização da coisa julgada material, já que a decisão que homologa o acordo judicial transita em julgado imediatamente (parágrafo único do artigo 831 da CLT) – e nesse caso, como visto, o acordo estabelecido nos autos da ação civil pública não foi entre o sindicato (substituto processual) e a empresa, mas sim, individualmente, entre empregado e empregador.

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